Primeiro poema à maioridade

(17/03/2014)

Admirável mundo novo, sensacional:
Eu estou aprendendo a ficar velho, no Brasil.
(Não como rejeito ou excluído social
Mas como maravilhoso vinho-verde de barril)
Sei meu endereço inteiro; escrevo poesias
Reconheço parentes, companheiros e crias
Até freqüento as Missas (de Sétimos Dias)
Sei quando a minha netinha da escolinha atrasa E ainda hoje eu me peguei
Cantando “As Flores do Jardim de Nossa Casa”
De Roberto Carlos – o Rei.

Nunca fui tão tranqüilo, sábio, sereno, gente
Como ao me sentir velho e muito consciente
Até um Curso de Terceira Idade eu comecei
Escrevi poema de amor aos meus ancestrais
Aos que vieram de muito antes de meus pais
E até posei de cara limpa, cara lavada De amante – dessa minha Pátria Amada
Ser velho é ser atual; ter paz e saúde
Eu tenho bagagem – eu fiz o que pude
Equilibrei a energia de uma juventude
À pureza da primeira infância, os primeiros

Curriculo Eu de Mim Mesmo, do Poeta e Cronista Cervejólogo

Não nasci no guarujá. não tenho nome bonito ou importante. não sou professor universitário. não consegui conciliar nada com a literatura. nunca publiquei em grande editora do eixo rio-sp. não resido no rio de janeiro. não me chamo joão ubaldo ribeiro. não escrevo pra faturar. não estou organizando meu ultimo livro. não sou graduado em letras ou jornalismo. não acredito que a poesia seja mais necessária do que o pão ou a cerveja preta. não fiz pedagogia ou artes. não colaboro em nenhum suplemento cultural importante de brasília. não estou presente em movimentos culturais da minha terra. não sou membro da academia brasileira de letras. não sou neomaldito por acaso. não trabalho como assessor cultural de algum aspone. meus pais não foram ligados ao cinema alternativo. não tenho tema preferido, aliás, um não-tema seria o ideal num poema dadaísta. não comecei a fazer teatro aos treze anos. nunca me especializei em literatura hispano-americana. não tenho crô

O homem que virou cerveja [Livro]

“Eu bebo porque é líquido, se

fosse sólido comeria…”

              (Jânio Quadros)

Emanuel Calixtrato Piazotti Assad era o maior bebedor de cerveja da região da Estância Boêmia de Itararé. Dizia que bebia para ser feliz, para aceitar as coisas ruins da vidinha merreca que levava, e assim tentar conviver em paz com as pessoinhas como elas eram. Bebia muito pra tornar a vida mais interessante. Com ele beber cerveja era sagrado, e uma condição psicossomática naturalmente assumida que invocava um ritual todo próprio que montara de porre direto, seguido, de domingo a domingo. E o fazia no lugar do café-com-leite com broa de milho da manhã, no lugar da água potável pra sapecar a sede corpórea, em vez do suco de framboesa ou limonada com limão-rosa da tarde, antes mesmo da ma

Campo de trigo com corvos [Livro]

PREFÁCIO

ALGUNS SÍMBOLOS DA PERPLEXIDADE

“O vôo rasante dos corvos

Debicando/Não as espigas

Maduras/Mas os olhos …”

Jorge Sousa Braga, in “O Lírio que há no Delírio”

O título, sumamente concreto e substantivo, impele ostensivamente para zonas sensoriais e pictóricas. No entanto, “Campo de Trigo com Corvos” não é mera reprodução do quadro de Van Gogh onde o trigo, amarelo, eivado das chamas loucas do pintor, escorraça de seu seio o bando negro dos corvos. Aqui, no livro, muito para além dos afugentados, corvos há que permanecem pairantes ou, mais ainda, baixando ao rés do solo jogam-se contra as pessoas provocando a clivagem (ou a carnagem). E esta fórmula aproxima os textos de uma realidade mais humana, ainda que desumana em função de trauma

Entulhos sociais do vampiro de Curitiba – Dalton Trevisan

O vampiro vai fazer 90 anos, mas a Transilvânia de seu sangue cênico é Curitiba. Considerado por Sérgio Sant’Anna o nosso maior escritor vivo, Dalton Trevisan se esconde em contos e assim, na literatura insurgidora, revela a máscara da espécie humana; brasileiríssimos em contundências, estados invasivos e a canalhice mórbida dos trópicos, enraizando na nossa cultura de placebos.

Não quer falar, nunca quis. Cala pelos cotovelos. Leiam os nanocontículos dele. Está tudo ali. Curitiba pinga, regurgita, agoniza mas não morre. Dalton é isso, um Borges do Paraná com uns contos lagartixas pescando moscas mortas, lares armadilhas, bares de esgotos góticos, entre sombras e escuridões. Dalton, 90 anos, rumo aos cem, que ninguém é de ferro. As escondidezas fazem bem para pose, para a lenda, para o mito.

Não dá entrevista. Mas sua alma-chope preto está nas entre/vistas de suas cantárias em prosa ligeirinha. Dalton pega pesado em rápidas pinceladas.