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Biografia – Fernando Jorge

O Poeta e Ficcionista Silas Corrêa Leite tem 54 anos, é da histórica e boêmia aldeia de Itararé-São Paulo, Brasil, terra de celebridades artísticas nacionais como o Maestro Gaya, Luiz Solda, Rogéria Holtz, Irmãs Pagãs, Carlos Casagrande, Regina Tatit, Jorge Chuéri, Luiz Barco, um celeiro de artistas.

Em Itararé foi bóia-fria, engraxate, vendedor de dolés de groselha preta, garçom, vendedor de jornais.

Família pobre, seu pai era acendedor de lampiões de gás e sua mãe mestiça de negro com índio. Com 16 anos escrevia pros jornais de Itararé, tinha programa na Rádio Clube de Itararé e, nos shows pratas da casa, imitava ídolos da Jovem Guarda. Por causa de uma paixão impossível, em 1970 com apenas a quarta-série do primário migrou para Sampa.

Sem dinheiro no bolso/Sem parentes importantes/Vindo do interior, como na balada do Belchior, morou em pensões e repúblicas, passou fome, voltou a estudar, fez Direito, ganhou ficha nos podres porões da ditadura. Sempre escrevendo, começou a participar de concursos e a ser premiado em verso e prosa.

Ganhou alguns prêmios, (Prêmio Ignácio Loyola Brandão de Contos, Prêmio Paulo Leminski de Contos, Prêmio Mário de Andrade de Poesia, Prêmio Mário Quintana de Crônicas, Prêmio Ficção Científica e Fantástico em Portugal, Prêmio Salão Nacional de Causos de Pescadores (USP-SP), Prêmio Lígia Fagundes Telles Para Professor Escritor, etc.)

Consta em dezenas de antologias literárias em verso e prosa. Lançou um e-book (livro virtual) chamado O RINOCERONTE DE CLARICE com 11 contos fantásticos, cada ficção com três finais cada, um final feliz, um final de tragédia e um politicamente que foi um sucesso no site www.itarare.com.br e destaque na mídia, inclusive televisa (Metrópolis, TV Band., Rede 21, Provocações) a partir disso. Essa obra virtual, de vanguarda e única no gênero, foi indicada como leitura obrigatória na matéria Linguagem Virtual, no Mestrado de Ciência da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Silas fez também Geografia, é especialista em Educação, fez várias extensões inclusive em Filosofia Para Crianças, Literatura na Comunicação, Direitos Humanos na USP, etc.

Colabora atualmente com mais de 300 sites, inclusive no exterior e em países de língua espanhola. Tem três livros: Trilhas & Iluminuras, Poemas, 2000, Porta-Lapsos, Poemas 2005, em 2006 lançou Os Picaretas do Brasil Real (Série Cantigas do Escárnio e Maldizer), estando com um romance para ser avaliado pela Geração Editorial. Está lançando CAMPO DE TRIGO COM CORVOS, contos.

Antimilitarista, pela não violência, acredita na arte como libertação, como Manuel Bandeira. É relator de uma ONG de Direitos Sociais.

Sua poesia de apresentação é: Ser poeta é a minha maneira/De chorar escondido/Nessa existência estrangeira/Que me tenho havido

fonte: http://www.fernandojorge.com/silas-correa-leite/4524102313

Causo da Batalha de Itararé (Inédito)

O Último Causo do “Zé Beleza”, o Maior Contador de Palha de Santa Itararé das Letras

“Quem conta um causo ou um conto//Aumenta um tanto feito um tonto…” (Silas e suas “siladas”)

Para Romero, filho da Dona Santa coberta de ouro e prata

(In Memóriam)

– … é bem perigoso sim sor… o Getúlio Vargas viria alarmado feito uma paca obesa montado num alazão azul-biscate, o Hitler vestindo farda amarelo-ovo-choco, mais falador do que o Tó do Zuza em velório (querendo aparecer mais do que o morto), o Nero, todo maricón pitando alguma coisa com um Cusarruim de uma perna só e ainda toda vermelhona; com os olhos esfumaçados e com um baita cheiro-de-fedô de quem queimou o cabo do facão, todos querendo invadir Itararé, bombardear nossa cidade, já pensou, hein, Zé Maria dos Causos? Sartei de banda. Onde já se viu isso. Tem cabimento… tem cabimento… bostiou tudo…

-A marota piazada peidorreira e com amarelão, com faniquitos, rueira, já tava toda prontinha da silva, cetras prontas, estilingues reforçados, com os bolsos cheios de mamonas assassinas, mandorovás elétricos de goiabeiras com bichos picegos, e mesmo bolinhas de gude das pintadas com olho de anjo, só esperando os três tranqueiras chegarem com o tropé das tropas revolucionárias para começarem além das marotices, a fuzarca do tiroteio por atacado. Vão ouvindo, vão ouvindo… Bota outra pinga fiado aí, Tunico Bitencourt, não rateie, vá…

-Fui falar com o cumpadre Wiederin que arrumou uma maquininha de quebrar e lançar pedra de britadeira; falei com o Willes Gorsky que me emprestou o primeiro avião que ele tinha inventado no mundo (o do Santos Dumont que não era santo nem nada, era malemal uma cópia maleixa com craca, pois errou 13 vezes e ainda teve 14 bis). Fui depressinha sondar o cumpadre João Feijão que, fanático por Itararé, claro, me emprestou machados, guilhotinas, cadeiras elétricas, arapucas, armadilhas, facas, bicicletas, arpões, espadas, ratoeiras, lampiões Aladim, guaritas, bombas de “defeito” moral, bazucas, granadas de urtigas, metralhadoras giratórias de bolso, garruchas e até alguns cantis de alumínio cheio de pórva. Sim, cantil, claro, né, Fernando Milcores, uns com pingas; onde é que a gente ia caprichar de esconder a pinga do Fritz?. Nos cartuchos de “pólva” que não era… sabei-me lá… entojado…

-Eu tava com o encardido “figo” inchado que nem paca obesa; meio maleixo mesmo, urinando azul-salubre, mas pedi pro Maestro Ataliba do Acordeão, vir tocar Saudades do Matão, do Paschoal Melilo (que vendeu a música depois prum cara estranja de fora por altos tostões e comprou casa em Paris com a bufunfa), assim, e enquanto isso o sargento Fuinha do Tiro de Guerra e seus mais de um milhão de recos mandavam bala nos invasores feição do dianho com bombachas encardidas, nós, entre umas mazurcas e umas polcas, metíamos coisarada de estrinches com estrumes de tordilhos nos três tranqueiras e suas tropas e canhões. O Getulio, o Hitler e o Nero iriam ver o circo pegar fogo no fiofó com hemorroidas dilaceradas deles… enquanto eu muito sabido e “estratégio” pedi prum piazote manquitola bem tranqueira e cara de bosta seca, que fosse escondido (disfarçado de vendedor de dolé de groselha preta) até Sengés, com um prego enorme furtado da casa do Velho Zarpelão, e lá furasse os pneus dos trens da Caravana do Getulio que vinha mesmo era cheia de biscates fronteiriças dos pagos do sul, daquelas pedaçudas pintas brabas mesmo, ele ia é montar num porco, o caipora lazarento chupador de charutos paraguaios. Tão me ouvindo?

O Prefeito pediu pra ligarem pra Nasa, que tinha um parente do Angelo Ghizzi lá, e iria fornecer alguma bomba “tônica” pra gente sumir com os gaúchos bombachudos e chapeludos porqueiras, e assim Itararé ficou emperiquitada até porque ia ter baile no Fronteira, baile na zona da Vila Osório, e a gente ainda tinha a peleja com os filhotes de cruz credo, o Vargas, o Nero e o Hitler. “Liás”, a bem da verdade, o Vargas era buchudo e de bombacha parecia um barril de petróleo “verde-olivia”. O Hitler, todo janota e frajola, com aquele andar-de-segura-peido e sempre com a mão espalmada pro alto (devia ter “furunco” no sovaco vencido), bigode meio-charuto cor de peido de véia, mas, pior mesmo era o Nero, um “donzelo”, com a cara de polaco lazarento, com um isqueiro na mão direita bem mole e cheia de pó de arroz, e ainda rebolando mais do que o Zé Muié com calcanhar de frigideira…

Pois Itararé inteirinha, com quase dois milhões e meio de gente de fio a pavio, bem contado, prontinha pro forfé que iria ser um embate daqueles, de causar furor, ganhar estampa no mundo sem porteira inteiro, mesmo que muita gente de ambos os dois lados fosse pro saco, fossem peidar nágua no rio Pelame. Ia ser uma barbaridade, mas eu já tava pronto, com meu canivete suíço cabritado e traiçoeiro, com minha espingarda de socar chumbinhos pela boca, um penico vermelho-bereba e, sabendo que iria dar no couro, botar os intrusos pra correr, que fossem peidar nágua os morféticos jaguaras, Itararé não iria aceitar aquela revolução dos quintos, assim sem mais nem menos.

Tava assim tudo arranjado pra gente ganhar a batalha de Itararé, aí apareceu uma festa que era meio que uma “oliúde” de califórnia de carteado em Itapeva, no Clube Operário, um concorrido bailão com os Marionetes em Ribeirão Vermelho do Sul, um supimpa jogo entre a Associação e um time de oitava divisão de Itaberá, um exótico circo gringo em Itaporanga, um rodeio de boi guzerá em Fartura, e, depois, era época de colheita de marolos em Apiaí e a tranqueirada dos bóias-frias precisava faturar porque estavam latindo no quintal pra economizar cachorro, enquanto os patrões latifundiários estavam faturando e enchendo o cú dos porcos com toucinho. Ainda tinha mais, aguentem só: a Sarita Montiel, a Raquel Velch e a Sandra Bréa iam fazer um nu artístico por atacado numa boate em Itapetininga. Já pensou que desboque? Fomos na Fiúza, morou, Tanaka?. Piorou: o Tiro de Guerra foi chamado prum desfile emperiquitado com a fanfarra do Instituto Epaminondas Lobo em Avaré, quando já se viu, Itararé estava mais vazia do que a cabeça do tongo do Laércio Amado que naqueles tempos da água beber onça ainda era um caipira polaco brucutu domador de éguas xucras e molenga de raciocínio que só vendo, um saranga feição de mandioca vassourinha descascada.

Daí a coisa deu pra trás; diferente do que eu bolei, né, não? Tudo deu errado, eu, maleixo, mal cismei o guaiú todo. Só por Deus. Os homens foram chegando sem bondiar, caras de tacho, uns daqui, outros dali, a cavalo, a pé, em tanques, outros em canhões com rodinhas, em carroças cobertas com lona e cheia de charque, em “helicóperos” com lança-chamas, se assomaram, em naves, drones, todos se arvorando, e sem mais nem menos foram se aprumando entre nós, sentando, deitando falatório, dormindo em vagões da estação rodoviária, ares de importantes os tranqueiras, depois saqueando o armazém dos Pelissaris, e a baiúca do seu pepino que não era de Capri; empastelando o Jornal O Itararé dos Tatits ou dos Rolim, não me alembro direio, depois tomando tubaina do Vilela no Bar do Calixtrato, comendo encapotado de frango no bar do Dico, tirando uma e outra donzela pra dançar uma Valsa Vienense que o Aneor tinha inventado no acordeão desafinado e roufenho, quando se viu, fomos levados no bico, que peleja que nada, Itararé tava toda tomada, tinha ido de bubuia, Getúlio arrotando pose, todo trancham, maroteando, o pai do Gustavo Jansson todo pimpão fotografando tudo pra mandar pra Revista Manchete e pra BBC em Londres, e assim, caiporas, a batalha de Itararé deu em nada, os gaúchos passaram, o Vargas todo topetudo, o Hitler todo arreganhado falando em língua do dianho ranhento, o Nero cheio de frisson de conversa fiada com o Zé Muié, e assim, caras pálidas, entramos pra história com causos contados de maneira errada; mentiram pra todo mundo, não ganhamos e nem perdemos, zero a zero foi goleada, houve um empate técnico; que Batalha de Itararé que nada, foi tudo uma xingação com cerveja porter, truco no muque, e, flatulências sonoras de lado a lado, no fim, ninguém perdeu ou ganhou, Itararé ficou frustrada que não teve uma baita briga daquelas mesmo que a gente ia mesmo dar uma sova nos invasores. Tao pensando o quê, caiporas de lazarentos?

Que “largura rinso” a sorte do Vargas, ou ele iria encher a bombacha. Que esperasse pra ver. Vocês não acreditam? Depois, devem ter misturado a tal da Batalha de Itararé com alguma Batalha de Itariri, Itororó, batalha do Riachuelo, Pernambucanas, Casas Bahia, Monte Castelo, Walterlu, Iraquenistão, Correa do Norte, essas coisas de mentirosos e inventadores do inexistente… Perguntem pro Nequinha, pro Chico Preto, ou pro Mário Padial Chaves, ou ainda pro Véio Biscoiteiro, pro Miro Vaca ou pro Foguetão da Banda, que eles contam com detalhes ainda mais confirmatórios do que eu disse. Vocês queriam o quê, seus estrupícios, que Itararé fosse varrida do mapa, que nós deixássemos os gaúchos encherem o bucho, encherem o picuá e depois fossem deitar falatório noutra freguesia perto do Rio de Janeiro? Eu, hein, Vica? O meu amigo filósofo João da Égua já dizia: “Quem pode, pode, quem não pode desocupa a moita”. Aliás, a bem da verdade, dizem que o Getúlio Vargas com a consciência pesada com a fama ruim que como maldição teria causado com a tal batalha de Itararé que não houve, depois, encafifado e cheio de rebosteio de consciência pesada se matou, cheio de remorso, o tranqueira espeloteado. Eu conto o que vi. E quem quiser que conte outra. Cada quá com seu picuá… E, quer saber? Já me encheu o pacová.

Acho que alguma coisa não me caiu bem, me desarranjou o intestino grosso, fino e o intesino “delegado”. A pamonha azeda que comi? As pingas que tomei? Tô com uns fuzilos labiriscando na tripas. Uma azeitona de pastel de feira?… acho que tô com algum desarranjo daqueles na “flora e fauna” intestinal… E agora, com licencinha, que tô com o estômago carecido e vou ali na “casinha” mal-caiada do bar do Orozimbo Ruivo “passar um telegrama”, deitar pacuera, cagar sentado que é mió…

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Silas Correa Leite – República Etílico-Rural de Itararé, Santa Itararé das Letras-SP,Brasil

Causo da Série “Sempre Haverá Itararé” – Livro de memórias inventadas do autor

E-mail: poesilas@terra.com.br

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Silas Corrêa Leite – Breve bibliografia

Educador, ciberpoeta, Jornalista Comunitário, blogueiro premiado, livre pensador humanista e Conselheiro diplomado em Direitos Humanos. Consta em quase 800 sites como Estadão, Noblat, Correio do Brasil, Usina de Letras, Daniel Pizza, Wikipédia, Observatório de Imprensa, Releituras, Cronópios, Aprendiz, Pedagogo Brasil, Jornal de Poesia, Convívio e LibeArti, Itália, Storm Magazine e InComunidade (Portugal), Brasil com Z (Espanha), Politica Y Actualidad (Argentina), Poetas del Mundo (Chile), Fênix (Moçambique), Literatas (Angola), Pravda (Rússia) outros. Publicado em mais de 100 antologias, até no exterior, como Antologia Multilingue de Letteratura Contemporânea, Trento, Itália; Cristhmas Anthology, Ohio, EUA e na Revista Poesia Sempre/Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (Ano 2000/Gestão Ivan Junqueira).  Autor entre outros de TIBETE, De quando você não quiser ser gente, romance, Editora Jaguatirica, RJ; GOTO, A lenda do Reino do Barqueiro Noturno do rio Itararé, Romance, Editora Clube de Autores, SC, e Gute Gute, Barriga Experimental de Repertório, Romance, Editora Autografia, RJ

LINK DO ZÉ BELEZA e do ZÉ MARIA DO PONTO DE ITARARÉ-SP

Coração de Estudante

“Coração de Estudante(…)/Nova aurora a cada dia…”
(Milton Nascimento – Coração de Estudante)

Pensa que é fácil? Levantar cedo, todo santo dia útil. Um monte de “Professor Pardal” a mil por hora pegando no pé. Textos didáticos, lições por atacado, trabalhos aos montes, livraços para ler aos sopetões, um atrás do outro. Simulados às pencas. Pesquisas do arco da velha. Ensaios psicológicos para agüentar o tranco. Avaliação contínua. Conversa pra boi dormir. Provas a dar com pau, uma loucura. Haja coração. Pesquisas, debates, laboratórios, pressão saindo pela tangente, quase um faniquito entre o stress e a faca cega da sobrecarga de informações. Aluno sofre, se não entrar no pique. Não dá nem para sonhar em “cabular” aquela chata aula sobre física quântica. Nem pra namorar direito a gata-fera pedaçuda. Muito menos descolar uma horinha para curtir um filme de terror, um futebol de botão que seja, uma praia no final de semana, que já foi agendado para um compromisso com livros obrigatórios e teses com dicas sobre o bendito do vestibular. Ufa!
Ora é o pai cobrando: -Se não tirar nota boa, não tem Festa de Aniversário. E agosto taí, na estica. Tem que rachar. Ora é a mãe-zoológico (mãe-coruja é um bicho só, zoológico é a fauna universal toda dela) dando chute na sombra: -Tire já esse tênis sujo que tá com um fedor de chulé do tempo do Noé na Arca, guri. Ora a irmã caçula, a Maria Cebola, querendo colar afeto e esparramar graceza: -Você me ajuda na prova de Biologia, Júnior? Você é o sabichão de casa…
Aluno sofre. O professor, então, aquele com cara de Raul Seixas depois da dengue, casca grossa no último, falando, escrevendo, explicando, escrevendo, explanando que até dói tanto conhecimento despejado a bel prazer, e ainda atiçado, maroto no sondar: -Você está conversando, Júnior?
Vida corrida. Salve-se quem puder!
Às seis da matina, mal o sol levanta a crista pra fora do horizonte lá longe, lados da divisa com os calipiás do Paraná, desodorante, nescau, mochila, banho rápido – não necessariamente nessa ordem – (olha o apagão!), perua, escola, correria. Sem tirar nem pôr. Os amigos todos apavorados. Vai ter prova de novo, ai Jesus! Trouxe cola, mano? Nem pensar. Meu pai me mataria mil vezes. Uma hora é natação (borboleta), depois inglês (gramática britânica), à tarde Informática (webmaster), à noite lição de casa, vinte e duas matérias, leituras obrigatórias, apostilas. E aquele jogo da seleção? Tem dia que se improvisa uma espécie de janta assistindo uma final de campeonato importante, com a mão direita rascunhando um texto do Frei Beto ou Rubem Alves, com a esquerda sustentando um sanduba com bacon. Uma loucura, cara.
-Já fez o Trabalho sobre História Medieval, Júnior?
-Precisa cortar esse cabelo de maloqueiro, filho!
-Maninho, cê me leva no Baile do Hawai?
-Chamada Oral, Júnior!
Se…eu entrar na Federal. (Vão raspar meu cabelo estilo Carlos Casagrande, vai ser uma alegria total em casa, vou faturar de-primeira esse Vestibular caipora).
-Se…eu conseguir aquela Bolsa de Estudos, aquela mina de olhos da cor do mar, aquela moto importada. Quero fazer Medicina, cara.
Se…eu vencer na vida, vou virar doutor, fazer pós no Canadá, casar, ter filhos e, a mesma coisa, o mesmo lenga-lenga:
-Vá estudar, guri! Onde já se viu?
Vida de aborrecente ou jovem, é assim mesmo. Preparando as escadas do futuro. –Bença, Mãe! – Deus te abençoe, Curumim. Desligue essa tevê, piá. – Ora velho, é só um filminho sensual, pega leve. –Ora, Júnior, não maroteie seu pai!
Você cresce e aparece. A concorrência é fogo. Você fica duro na queda. Cria coragem. Empata juízo. Fica forte. E digno. Como dizia o Gonzaguinha (ídolo de MPB de seu pai), você se torna GENTE MAIS MAIOR DE GRANDE. Tá errado o português?. Levou quem trouxe!
O primeiro amor, o primeiro emprego (estágio é tudo, diz a moça caruda que faz a seleção), a primeira prova de fogo. Viver não é lutar?
(Um dia, quando você for velho – as sabedorias são sábias, dizia meu querido e saudoso avô, à beira do rio Itararé – você vai se lembrar com orgulho do tempo em que era forte, tinha saúde, corria, LUTAVA!)
Nem todos realizam seus sonhos. Você tem que correr atrás. Não pode ficar no prejuízo, e ter que pagar a conta na incompetência, da ignorância, ou passar em brancas nuvens. A concorrência é barra pesada. Não há vagas pa ra todos nas faculdades. Não há empregos para curiosos. É um preço duro a pagar. A seleção do mercado de trabalho é dura. Muitos são chamados e poucos escolhidos?
Guimarães Rosa. Projeto Genoma. Neoliberalismo, Globalização. Efeito Estufa. Tudo a ver. Você vai ser um “Gente Grande”. Pessoa. Cidadão. Não é isso que vale a pena? Drogas? Nem pensar. O nome já diz tudo. CDF. Ainda bem. Graças a Deus. O mundão pertence aos que lutam para melhorá-lo. Não há sensação no esquecimento. Nem adianta chorar sobre leite derramado. É preciso coragem. Deus é Dez? Estudar, trabalhar, ler muito, isso é que é vai fazer a sorte nossa de cada dia.
-Vá dormir, guri, deslique esse computador. Olha a hora. Você não tem Simulado amanhã no Colégio Athenas?
-Adoro você, Mãe!
-Deus abençoe, guri. Você é o filhão que pedimos a Deus. Estamos investindo no seu futuro, confiando, dando corda, apoiando. Estamos aqui pra isso mesmo. Vá dormir…
-À bença, Pai!
-Ele já ferrou no sono, Júnior. Amanhã ele vai ter que levantar cedo para ir batalhar novo emprego outra vez.

Coió

“…eu vim te trazer, Menino
Não ouro, incenso ou mirra
Mas a solidão, minha Pátria”
(Silas Corrêa Leite)

Olhou-se: um trapo! — Os frágeis cabelos ruivos, ralos. Os fundos olhos cinzas, tristes. A fronte com rugas cavando um jeito de infinda melancolia e frustração, intimamente dor imedida. A boca murcha, disforme e torta, mostrando os poucos dentes amarelos e podres. De dar dó. O espelho-Vida era a cruel revelação dele ali. Tinha comido um naco de mamão-papaia achado no lixão fétido e cheio de beronhas de um restaurante vegetariano. As roupas sujas, cerzidas, cheirando mal, toscas, em frangalhos. Camisa gasta, calça puída, mochila carcomida pelos descaminhos inúteis por onde vagara feito um “trecheiro” como diziam os sociólogos puristas.

Nos pés inchados e com veias quase saltando, um par de tênis surrado de andanças (e erranças), com ceroto, pelos percalços de um ir e vir transido, a esmo. Olhou-se outra vez no espelho: resto daquilo que ainda tentam chamar de espécie humana, de gente.

Foi quando percebeu. Por entre as frestas coloridas (com costumes natalinos) das vitrines da loja de brinquedos, sua filha Larissa atendia docilmente a uma senhora obesa perto do balcão central. Era noite de Natal. Àquela época do ano, como se comandado por um instinto natural, ou pelas relembranças mal-guardadas no fundo pétreo do coração partido, vinha pelos cantos; ermos e sombras da cidade, até ver a bendita filha amada.

Era sabê-la e ir-se embora sem mais nem menos. Como uma espécie de ritual. Não se mostrava, não aparecia e nem se apresentava; não dava curso de identificação, não fazia absolutamente nada. Olhava apenas. Mas naquele olhar embevecido, alma derretida punha todo o amor que possuía, como se saísse de um inferno íntimo ou descansasse o peso da cruz que era seu andarilhar feito coisa. Deixou a casa um dia que brigou de novo com a mulher Dagmar, e esta novamente destratou-o, humilhando, pisando, usando-se de palavrões chulos, chamando entre tantos impropérios usuais na cidade de molambo “topeira”, desgraçado e tudo mais. Só porque era um simples torneiro-mecânico aprendiz, recém-casados que estavam e ele ganhava pouco. Não fizera carreira na vida ainda. Foi uma loucura. Larissa era por vir, pois casaram já com a criança encomendada.

Desacorçoou.

Brigas, traumas, tristezas, humilhações; vocabulário infame para agredir, pisar, bater no ego, o da mulher amada, tirada de um antigo bordel de Itararé, que fora visitar com um tio que tinha serraria. Depois de ser muito bem inaugurado na peleja sexual que o fisiológico e sensorial até exige, de presto sentiu-se rendido às evidências: estava apaixonado. Amor à primeira vista?

No namoro-paixão, o casamento era uma gostosa expectativa de esperança de conciliação. Seriam felizes juntos, pensara. Depois, malemal alguns meses de convívio, um inferno o lar. Sogra, cunhados, todo mundo se desfazendo dele, que mal sabia escrever o nome numas garatujas de rabiscos: Saulo de Tarso.

Casos daqui, acontecências ruins dali; tempo cuorando a desfeita. Deu de beber. No Bar do Miro Vaca, ainda em Itararé, tomava todas e mais algumas. De primeiro rabo-de-galo, para chegar em casa passado e suportar a sofrência da patroa cusarruim. Piorou a emenda, o rebite alcoólico. Agora, além de maleixo, molóide, “tranqueira”, era um imprestável pinguço que mal dava no couro. Palavra da mulher que adorava .

Um dia perdeu as estribeiras. Arrebentou uma foz no íntimo transido. Não soube conter-se na prudência que o entrave exigia. Simplesmente anoiteceu e não amanheceu. Botou uma mochila velha do Tiro de Guerra emprestada do Bastião Querosene em cima dos ombros, acertou as contas na oficina de serralharia artística e deu de vagar ao léu. Correr o estado de São Paulo de ponta a ponta. Depois outras regiões do Brasil. De carona, de favor, escondido. Subia em caminhões sem ninguém perceber, embaixo de vagões de trens de carga. Ou de favor, morando em becos, cortiços; dormindo em pontes, currais, cantões de estradas. Comendo restos. Vegetando feito um traste. Nem ruim do juízo, nem totalmente lúcido; procurando achar o favo trivial de sua existência de inútil.

Foi, enfim, virando um mendigo. E quando deu-se por si, era o que ali estava, no espelhado cristalino da loja rica: um velhote. Um ancião arigó porqueira, numa época em que as famílias se juntavam e comemoravam o nascimento de Jesuscristinho… Ele, coitado, malemal tinha um presépio-breu no peito em lanhos, sem polimentos íntimos.

Quase meio século de vida agora. Magro, doente, esquálido, acabado em todos os sentidos.

Mas a filha Larissa estava linda, Deus do céu!

No ir e vir de suas andanças feito um nômade, volta e meia apeava do orgulho-cela, queimava a dor do retorno ao eio, e ia escondido sapear a filha amada. No bercinho azul (viu de longe); no descalço da rua 24 de Outubro (viu de supetão); na escolinha do grupo escolar Tomé Teixeira (viu por detrás de um cidral); no ginásio viu-a chupando dolé de groselha preta no recreio(sondou em cima de uma mangueira seca); no colegial viu, quando ainda pedia esmola para um passante atencioso e cristão de época de Natal. E foi sempre de-assim por diante. Até aquela noite de Natal em que a loja onde ela trabalhava fazia plantão; sua filhazinha iria ganhar bem com as comissões e horas extras? Pinheirinhos de araucárias enfeitavam o pavão da noite radiante de matizes e iluminuras terreais, fantásticas. Itararé estava como sempre: pitoresca, bucólica, cativadora.

Agora Larissa ali, já moça e trabalhadora, bem feita na vida.

Pensou em entrar e pedir um copo de leite. Ficou com medo. Pensou em só dizer que a amava muito. Ficou com pesado lastro de emotividade maior do que poderia conter no peito doente. Represou o ímpeto e a emoção. Lidou com seus sentimentos. Quedou-se.

Nesse ínterim, no entanto, surpreso foi que percebeu que a tal loja estava para ser assaltada. Onde já se viu aquilo de fora de propósito? Viu um “trombadão” com arma pesada dirigindo-se ao caixa, perto de onde estava Larissa bem entretida em servir a uma freguesa. O sangue falou alto. A mão murcha tremulou, o cérebro doeu feio o peso de tamanho Ver. Será o impossível?

Feito um espeloteado, fora de si como um pai carinhoso, largou a mochila malcheirosa e entrou no centro do acontecido, gritando igual a um louco, assustando as pessoas, alertando rueiros e alarmando para o geral das adjacências: praça pública e imediações emperiquitadas por causa da data maior da cristandade.

Tiros, gritaria, vidros estourados — o espelho! — e Saulo sentiu-se ferido.

O vigilante da firma que estava rendido num canto por outro bandido, reagiu violentamente e matou um dos ladrões. Um outro meliante tentou fugir mas foi pego e surrado pelos transeuntes que deram-se a ver o barulho. O menor que restou, ao tentar evadir-se foi atropelado por um carro forte que vinha da Rua São Pedro, cheia de luzes que pareciam etéreas.

Saulo de Tarso pregado no chão.

Vigias, gerentes, supervisores setoriais aportaram. Foi um pandareco do diabo. Um qüiproquó disgramado. Um “forfé” por atacado, o guaiú todo.

Larissa veio solícita, anjo, meiga, doce, com um copo de água na mão corajosa e amparo-luz de agradecimento ao velhinho.

Viu-a, de bem pertinho, com lágrimas furtivas nos olhos murchos. Amor e dor. Ela tomou-lhe a cabeça de pobre e acabado, aconchegando-o numa almofada-brinde, e serviu com angelical candura, próprio de dela.

Ele, ferido de morte para sempre, ainda encontrou resíduo de ternura para balbuciar, entre o delírio pelo ardor fatal da ida e embora e ternura pelo inusitado reencontro, palavras lentas, salpicadas no triste confeitar do que se lhe vinham com dificuldades no sentir incomum:

— S-o-u s-e-u p-a-i…

Mal murmurou quase e apenas isso com a boca torta — ou só sonhou essa íntima intenção maleixa? — nem se fez entender direito ou pareceu que ao menos falou e morreu. Finou.

A ambulância, o guarda da Força Pública, o Inspetor de Quarteirões, o Gerente, o Diretor de Departamentos e Larissa entre funcionários comuns e curiosos. Copo de vidro quebrado no chão. Cheiro de panetone quente, espoucar de champanhes ao longo. Estilhaços ao deus-dará. Cortinas fechadas nos íntimos transidos. Silêncio quase prece.

Larissa que chegou em casa e contou aos familiares o havido, com riqueza de detalhes. E que um mendigo feito louco tinha evitado o assalto, tinha evitado o pior. E estranhamente murmurara alguma coisa , alguma palavra como “Pai”, como se não estivesse entendido bem; como se fosse seu desaparecido genitor. Mas não tinha qualquer documento ou papel identificador, o coitado. Tinha sido enterrado como indigente, num sete palmos raso do Cemitério das Andorinhas de Itararé.

A mãe, velha e cascavel, já no quarto concubinato-entrave, ainda câncer de ser, destravou-se numa falácia própria dela, destilando o vinho-verbo:

— Deve de ser um porqueira qualquer, imagine só. Um “caipora” lazarento e mais nada. Seu pai nem teria coragem para tanto. Um bocó disgramado querendo aparecer para levar vantagem. Nessa época do Natal aparece cada um, acontece cada coisa que só vendo. Seu pai, aquele traste, de tão babaquara que era, de tão coió, já deve ter morrido, o desgraçado…

E ainda acrescentou de toleima, fazendo beiço de tromba e se mostrando quizilenta, casca-grossa, sem-seca:

— Pare de chorar feito uma criancinha tola. E jogue fora essa foto três-por-quatro de quando ele ind’era moço. Largue mão de ficar gastando todo salário pondo anúncios em jornais e revistas do Brasil, tentando encontrá-lo. Onde já se viu isso? Não fique perdendo tempo e jogando grana fora. Um peste como ele, um coió, um irresponsável e fujão, não merece uma filha assim como você.

TIBETE, ROMANCE DE SILAS CORREA LEITE, QUE LIVRO É?

Tibete “Quem somos nós, autointitulados humanos, senão meros cavalos passando de mão em mão e servindo como veículos para que a vida possa escorrer por meio de nossas existências?” Roberto Damatta -E se depois que você consegue “tudo” na vida (e o que é tudo, afinal?), com as mãos limpas, com muito trabalho, profundos estudos, tantos esforços, diversos cursos; com sensibilidade a mil e uma criatividade profissional fora de série, mais dedicação, esmero, e então, um dia, de uma hora para outra, num raro momento finalmente saca. Aturdido descobre que não é nada, que não foi importante o que fez, que não significa muita coisa, afinal, pois tudo isso não fez você feliz? O que é tudo? O tudo que é nada. E se você, depois de erros e acertos na vida pregressa, como todo mundo, acabar com posses limpas, sendo vencedor numa sociedade podre em que ser vencedor poder ser uma terrível marca ruim – “Quem entra em buraco de rato/De rato tem que transar”, diz o rock do Raul Seixas – e você descobre que o vazio que habita seu espírito atribulado é infinitamente maior do que as tais conquistas que, afinal, medidas as proporções, resultaram pífias? É quando você se encontra em processo de deterioração, e corre riscos. Religião? Status quo? Drogas? Money? Que fuga precisa desesperadamente haver? Que fuga que não há e você precisa criar, se refazendo? E quando você mal caindo em si, num momento de pura lucidez extremada, descobre que entendeu tudo errado? Viveu erroneamente, perigosamente até, se sacrificando. Fez o que fez, mas tudo resultou tão pouco, e você se restou feito um zumbi moderno, uma marionete sem controle de seus dígitos, de suas senhas e números, numa sociedade viciada. Máscaras? Então você joga tudo para o alto, larga o osso, garra a rua da amargura, ou pira de vez. Ou vai atrás de seu sábio numa montanha, sua razão escondida de viver, seu Tibete pessoal. O que é mesmo o Tibete de cada um? Qual é a sua praia, a sua lua, o seu anzol, a sua varinha mágica, a sua carcova, a sua luz? A sua vida como uma cruz, uma condenação de viver raso e ralo, entre o sobreviver, perquirir; e ver que do tanto que se superou, nada foi de vital importância para sua jornada de crescimento. Nascer de novo? Como? Não tem como voltar atrás, anular o jogo, ser editado ou julgado inocente. Referências, escolhas, trilhas. Então você verga, quebra. Surta. Viaja na maionese, viaja na batatinha… Entre o Rivotril, o Viagra, o soro com chumbinho, o cortisona, o glitter, o Paracetamol e a pós-graduação, o mestrado ou algum tipo de droga, a busca de um norte, de um aconchego, de um possível mosteiro laico. Você rompe com tudo. Sai em busca de seu Tibete. Como criar o que não existe? O que é o Tibete para cada um, segundo seu entendimento, compreensão, riqueza de vida, sofrências depuradas e instrutivas, conhecimento de prismas possíveis? Cada um tem o seu Tibete numa sublimação, numa resignação, num vicio, livro ou em neuras. O que nos restará? Fugir. Fé na estrada. A culpa é das estrelas? Será tudo de você com você mesmo. Não existem outros meios. O que foi viver? O que é mesmo morrer? Antes do crepúsculo do último suspiro, tentar compreender alguma coisa. Correr atrás do prejuízo. Ser depurado, sofrer uma decantação… Tempo perdido em toda uma vida entregue? Tibete, o romance, talvez seja, em tese, um chamado “Bildungsroman” (romance em formação) pois informa, transforma, reforma, disforma, forma, metamorfoseia, “vidamorfoseia”, expõe grilhetas, desforras, e delata, mostra as garras, a faca entredentes… A sua prestação de contas foi uma mentira. Seu lado b não soma coisa com coisa. A sua piscina tá cheia de ratos, diz o rock. Abra os olhos para o seu Tibete. Afinal, dizia William Shakespeare, choramos ao nascer, porque chegamos a este imenso cenário de dementes. Precisamos saber o que somos. Precisamos nos livrar do que queremos ser? O que é mesmo ser gente? Lá – qualquer lugar que seja o seu “Lá”- pode ser o seu cantinho de recolhimento, um circo armado para o espetáculo dantesco de seu tão sonhado “final feliz”, ou o ninho de um ovo de serpente que você ainda vai precisar chocar. Qual é a sua? Amor e compaixão. Pense nisso. Abra a sua mente, a sua alma, o seu coração, enquanto você tem um batendo aí no seu peito. E se essa vida for, como disse Aldous Huxley, o inferno de outro planeta? Somos derrotados por nada? Caia em si: Tibete-se. Eis o verbo. A verdadeira filosofia da vida é reaprender a ver o mundo, disse Marleau-Ponty

FRAGMENTO DO ROMANCE GOTO DE SILAS CORREA LEITE

Noite de Um Estranho Dentro de Casa, e Sequelas Foi num dia qualquer de um abril antigo e quase inexistente dos anos sessenta (ou seria setenta?), se me lembro direitinho (não querendo lembrar) e ainda me dói o saber inteiro de detalhes, quando chegamos à noitinha em casa, eu e a minha patroa, Sauma, grávida do primeiro filho – iria se chamar, se fosse varão, Vladimir, se fosse mulher, minha esposa escolheu Ética – vindo do Supermercado Andorinha do amigão Sérgio Varoulf, lá onde fomos fazer a feira do mês. Era um sábado, se me lembro bem a data. Mas todo o resto me vem dolorosamente à lembrança sacrificial como se fosse ainda ‘já-hoje’ mesmo. Impossível não recordar. Não quero me decompor, não posso, mas em algum lugar-prurido lá no mais íntimo neural de mim, isso tudo que vou contar me dói como se um moinho de vento fantasma, invisível, e assim me corrói a alma-navalha, feito um pântano que convive paralelo ao meu Eu de Mim, na moral do fracasso, numa trágica condição incerta, num não-haver vulgar, como se tudo não passasse mesmo de algo que só me aconteceu num incrível mundo-sombra, quase reflexo de uma vida ordinária e real… não no mundo das ideias. Talvez até no campo de incertezas, mas não de memórias inventadas, pois eu carrego essa sofrência como se num cabide de pregos com câncer. Mal abrimos a porta oval de vidro bisotê da sala e o vimos encostado na prateleira de mogno selvagem, mexendo na biblioteca, caçando o que delatar entre os meus livros caros, talvez campeando Marx, Engels, Wallom, entre Yeats, Ezra, Graciliano, Rilke, Garcia Lorca, Neruda ou Borges. Já sabíamos que um dia aquilo iria acontecer; que um dia alguém certamente viria, mas nunca contávamos que fôssemos os mal escolhidos da hora pela escória do poder, mas, finalmente e de forma dolorosa nos sentimos atingidos em cheio ao nos inteirarmos daquilo tudo assim, sem mais nem menos. Era chegado o nosso tempo de purgação. Quase nem acreditamos no curtume, assim num primeiro instante, na quebra do psicológico do momento número zero, inicial. A porta não tinha sido violada, não havia sinal de arrombamento, MAS ELE ESTAVA ALI, alto, claro, quase albino, aura pedrês, no meio escuro do ambiente sombrio, pois a lâmpada do abajur lilás era fraquinha. O tipo tinha cabelo escovinha, era bem seguro de si apesar de tudo que como intruso representava, parecendo ostensivamente armado até os dentes. Mal nos lançou um mero soslaio de olhar, com o rabo do olho feito picego de ocasião. Tive um misto de nojo e um andaime de coragem-calço na parede da contemplação estagnada. Sauma furiosa olhou-o com tácita repreensão, umedeceu os olhos verdes, fiz um sinal quase que imperceptível tipo “chiu, já que está aí, fazer o quê, chegamos, ainda somos os donos…” – mas, confesso, Ele deveria saber mais de nós do que nós mesmos sabíamos. Sauma ainda pensou em acionar a polícia (Ele era a “polícia”), confessou-me isso vários anos depois, antes de ficar louca e morrer em seguida, sem atinar com o estranho em sua intimidade, lá na sua agonia de mulher sensível e topetuda. Na ocasião, abrupta catou a cesta de flores e, fintando a mesa e a cadeira de imbuia com o lado de sua barriga de seis meses, foi pra cozinha, e eu fui guardar a caixa de cerveja importada do Chile na geladeira e a pizza de atum no congelador. Eu era judeu e comunista, ateu até as tripas. Sauma era médium (mãe de santo por assim dizer sem querer) que, todo primeiro sábado do mês, querendo ou não, mas sem falhar, recebia um santo num terreiro marginal de uma periferia da Estância Boêmia de Itararé. Sabíamos que a partir daquele dia teríamos de tê-lo ali como se uma escrivaninha, um tijolo, um vaso de cacto, e, na verdade, nem devíamos dar por ele inteiro e raso em trânsito de rotina (fingindo que ele não existia), e, então, procurando esquecer aquela nova cruz, fui catar um livro de poemas de Drummond e uma dose de uísque Cavalo Branco, porque os tempos eram tenebrosos, a noite maldita descera sobre nós, eu tinha sido finalmente fichado em regime de desconfiança, e uma canalha militar da caterva de imbecis no poder com apoio de agiotas internacionais, empresários corruptos e ladrões, mais uma nefasta ala reacionária da santa igreja católica mandavam no país em regime de exceção, com medo dos vermelhos, de que o país se cubanizasse. (Com o tempo, pra “Ele”, o nosso codinome em conversas reservadas, ou em alto e bom tom quando nos era possível quebrar o gelo e nos sentirmos em nós em casa, inicialmente era Lombriga porque estava no meio da merda toda. Depois ficou como Sequela porque era resultado de um golpe que derrubara o amigo pessoal de minha família gaúcha que se radicara ali em Itararé, o deposto presidente Jango). Pois começou nosso calvário que durou um tempão. De início sentimos muito, com um traste em nosso canto, um estranho no nosso ninho de felicidade, quando o víamos como um rato. Ele nunca nos olhava direto nos olhos, tampouco nunca falou uma só palavra, dormia no sofá da sala (uma noite, preocupado, algo piedosamente piegas, levei-lhe um antigo corta-febre encardido que antes servira a um cachorro que morrera de verminose). Comia das coisas triviais da geladeira, mexia em fotos de álbuns familiares, nunca nos deixou só um só minuto, quando saíamos ele ficava à vontade, quando voltávamos ele estava lá campeando alguma coisa – armas, drogas, aparelhos? E, o pior era de madrugada, quando eu ou Sauma necessitávamos ir ao banheiro, e lá estava ele. Então ele se apressava, tínhamos que esperar. Depois que ele saía meio incomodado e constrangido, tinha o cheiro ruim e estranho para nós da merda estranha que obrou. Propositadamente dávamos outras várias descargas (o cheiro diferente empesteava o ambiente úmido), púnhamos Pinho Sol, jogávamos perfume francês, acendíamos, incenso indiano. Então, bem ou mal, fazíamos o que tinha que fazer de inevitável necessidade fisiológica. Quando estávamos na intimidade do quarto enorme do chalé, ele não entrava. Mas também em outras ocasiões frequentava ali, deixando seu rastro, suas porções, ora resto de bolacha ou amendoim, ora cinzas e cheiros, quando não resíduos de coisas químicas que nunca soubemos o que era ou para que serviam, o uso disso no ambiente. Quando tocava o telefone, o desgraçado sabia certinho se era pra ele ou não, e prontamente atendia. Então falava em inglês macarrônico, curto e grosso. Muitas vezes vi-o lendo um gibi do Tio Patinhas ou do Tarzan, outra vez acho que o peguei chorando ao ouvir uma música romântica do Trio Los Panchos que a Rádio Luar de Itararé tocava, e, com o chulé, o cheiro do cigarro, o suor, tudo impregnando nosso lar doce lar, aquele estranho começou a fazer parte de nosso derredor, de nossas vidas, como um baú de ócio, um banco de pinho ruim, um vira-latas sarnento e bronco com o qual tínhamos que nos acostumar, ou iríamos ficar loucos, quem sabe matá-lo (mas viria outro traste e poderia ser pior, ser truculento, falar muito, atentar contra nós, porque esse era o estilo da corja toda, treinada nos currais olivas de áreas clandestinas dos porcos marines da América Rica.). Foi uma gestação difícil para Sauma. Nem posso acreditar direito. Cuidar de casa, dar passes, ler mãos, e ainda o lazarento para torrar o saco. No começo foi um rebuliço danado. Mas a gente se acostuma até com o dianho em casa. É da natureza humana. O peste lavava a roupa quando a gente saía, passava, tinha uns pares de camisas, e até a Sauma viu a maleta dele, quando rebuscou uma coisa qualquer que deu falta, e desconfiou do tipo casca grossa, sem seca. Mas o Sequela não era ladrão, pelo menos de coisas táteis. Punha a maleta de pertences pessoais embaixo do sofá em que dormia. De vez em quando recebia uns pacotes, por portador militar, normalmente um reco. Tinha um baita crucifixo de ouro numa gargantilha sob o pescoço. Acredite se quiser. Bem ou mal tínhamos que nos habituar com ele. Nos primeiros dias ficamos incomodados, pensando nele quando estávamos a caminho de casa. Mas ele se virava. Acho que sempre tentou fazer seu serviço, sem nos incomodar mais que o necessário e obrigatório. Procurava fingir que não estava ali, acho. Como, a bem dizer, tínhamos que fazer o jogo sujo dele, também não o bondiávamos de manhã, mas deixávamos comida para que ele catasse depois, como um vira-latas sarnento. Um dia peguei-o fazendo um café. Tinha sido uma madrugada de chuva, caira um toró. Quase que me ofereceu um gole, mas conteve, triste e curto, o apegado afeiçôo de ocasião. Querendo um gole, no entanto, relutei. O que sobrou do que ele fez, joguei na pia de mármore preto. Acho que ele, entendendo do riscado, compreendeu que não queríamos qualquer tipo de laço com ele, salvo o brutamontes que ele por si só já era, e já nos bastava circulando pela casa, pelo quintal, pelo bosque, pelos canteiros, invadindo nossa privacidade e, de certa forma – como se fôssemos um risco para o calhorda regime de exceção – pudesse assim nos vigiar como se fôssemos cheios de lepra, perigosos só por pensar, por liderar, por defender os fracos e oprimidos, os descamisados. Eu conhecera Sauma na Universidade Sul Paulista de Itararé, quando para ali fora fazer uma palestra sobre Ética e Arte como Libertação. Foi uma espécie de amor à primeira vista, mal-e-mal nos vimos amarrados um ao outro, e ela engravidou. Tínhamos uma casa no cacau quebrado da Rua XV de Novembro, área central da cidade. Uma casa com ampla sala em forma de L, depois uma copa média e uma cozinha enorme que era anexa a dois quartos, um ateliê de costura dela, e um estúdio de minhas artes e criações. Havia o quintal nos fundos. Depois da área da cozinha, uma varanda. Em seguida, beirando a casa, uma alvenaria com tanque e churrasqueira, depois um pequeno bosque, na sequência alguns metros quadrados de canteiros de azaleias e, ao final, um canto comum de terra aonde criávamos frangos para abate e algumas galinhas poedeiras punham ovos para consumo próprio. Era quase uma chácara ali perto da Rua Primeiro de Maio, parte alta da cidade. Mal nós vínhamos de quatro meses de paixão, romance e vida em comum, e a Sequela do golpe militar que já ia para vários anos nos pegou de supetão. Eu tinha ido de São Paulo para Itararé, porque tinha lançado um livro chamado A Arte Brasileira e as Legalidades da História, trabalho como tese de mestrado da USP, e lutava com grupos de amigos judeus da Europa, para o fim de ditaduras emergentes em países latinos. Parentes meus em Itararé propiciaram a palestra. Sauma era professora de educação artística, trabalhando na prefeitura, e quando conseguimos, com amizades antigas dos pais dela, tornou-se coordenadora pedagógica numa escola da periferia carente da cidade. Juntamos nossos trapos, íamos de vento em popa em nosso relacionamento, quando tudo isso começou a nos acontecer, e que eu relato aqui para passar adiante a nossa sofrência, mais o país enlutado que era por causa dos ratos verdes de coturnos no poder ilegal, e as pessoas limpas e lúcidas que queriam de volta a democracia, a legalidade, o fim do regime de exceção incompetente, corrupto, violento e senil, sofrendo violências. Os pais de Sauma eram uma mistura de negros, portugueses e italianos, e ela, em nome da escola, certa feita, marxista convicta e ao mesmo tempo correspondente de um jornal ecológico de Piracicaba, foi fazer um vídeo sobre folclore afro num terreiro de candomblé, lados da Vila São Vicente, cuja médium-chefe era a Dona Santa, mãe do famoso boêmio Romero. Ali, ela, ao filmar uma iniciação fora atingida por uma espécie de “santo” que lhe baixara ao ritmo frenético dos tambores, e, por incrível que possa parecer o inexplicável, Sauma recebeu aquela entidade feito um “cavalo” caboclo, passou mensagens, deu passes ligada com coisas que não compreendia. Quando voltou a si estava toda molhada, machucada, dolorida, e tinha as mulheres do meio a lhe darem vivas e louvores pelo modo que fora escolhida espiritualmente, se é que explico bem assim, essas coisas que não compreendia inteiro, na verdade nem engolia direito. Eu, ateu, não confiava muito naquilo, sendo marxista não poderia compreender muito bem, mas, vendo o filme de tudo, aceitei, vá lá, passei a respeitar o que Sauma entendeu como duto espiritual, passei a conviver com aquilo dela, de uma hora para outra ter que ir num lugar daqueles, ser útil, prestativa, como dizia ela, enquanto eu ficava em casa a produzir meus textos, ou, quando ela, entre assustada e entregue, dizia ser outra pessoa ao meu lado, feliz, também por estar para ser mãe, e, passando a acreditar numa entidade superior. Levou na boa o papel que fazia de escolhida para a mais nova “mãe de santo” no terreiro de Dona Santa Macumbeira. Éramos feitos de paradoxos. Sauma, uma militante convicta da esquerda, de uma hora pra outra grávida e recebendo mensagens de macumba. Eu, um comunista que largara a grande cidade por Itararé onde tinha familiares distantes, passara a lecionar filosofia nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras da cidade, e ali agora com o estrupício em casa. Onde já se viu? Aliás, toda cidade sabia daquele tropeço, amigos em comum nos faziam indiscretas questões. Solicitamos que os que tinham atividades com aparelhos secretos se afastassem de nós para não serem sequestrados por facções radicais dos podres poderes. Confesso, só não fui posto na rua da amargura porque minha bolsa era conveniada com a USP e com uma universidade britânica, o que nos dava certa guarida e esperança de vida e, talvez, razão de defesa em eventual caso trágico. Já não ligávamos do aparelho telefônico de casa, mas de um orelhão na rua, que ficava perto da casa do Mestre Ataliba Acordeonista. O tipo que entrara em nossa casa revistava nossas gavetas, fazia relatórios sobre a nossa intimidade – sei lá para que queriam isso – tinha um codinome estratégico de Garrafa Azul, e, várias vezes vi-o usando uma máquina portátil de escrever, relatoriando sobre nós, se é que ele tinha muito o que dizer, ou, pelo menos fazia seu serviço sujo, já que éramos limpos, não tínhamos um cheque sem fundo, muito menos usávamos qualquer tipo de droga, a não ser a bendita cerveja ou no máximo os fiados pendurados no Bar do Tepa. Nas primeiras horas que o tivemos ali, era quase que repugnante. Sauma chegou a passar mal, teve que tomar algum remédio pra dormir. Era muito triste ir se deitar, fazer amor em silêncio e ainda saber que, na sala de nosso cantinho, um zé ninguém, um borra-botas, um nada, um exótico emboaba em nosso terreiro estava a ser nosso implacável cão de guarda. Já não éramos mais um casal, o rebento viria em meses, e ainda tínhamos, pensei, de uma forma ou de outra, de contar com aquele membro estranho no corpo de nossa convivência familiar. Nos primeiros dias tínhamos temor, fechávamos a cara, passando por ele ora a caminho da garagem, ora dormindo no sofá, ora lendo papelada minha de ensaios, debates, fortuna crítica, entrevistas ou mesmo simples contos e poemas. Depois, passado o impacto psicológico do não aceitável num primeiro momento, e a vergonha do inevitável em tempos tenebrosos, procurávamos nos mover de maneira a ter aquele Lombriga ali conosco, e tentar, de uma maneira possível, qualquer que fosse ela, evitar que ele nos agredisse mais do que nos agredia estando no recesso de nosso lar, dando as latidas ao telefone – passando informações em códigos? – lambendo as crias do meio que vinham trazer informações, talvez de movimentos de guerrilheiros no Vale do Ribeira (havia boatos), feito um cachorro louco a cuidar de um casal brasileirinho que só queria ser feliz, apesar do embuste de um golpe que era promovido pela mídia como revolução, e da corrupção organizada sustentando todos os movimentos de calhordas e canalhas, no hediondo sistema do canhestro status quo (do estado de sítio) que reinava no país entrevado, com medo do comunismo, e atendendo a uma política intervencionista dos Estados Unidos, o que nos repugnava. Tínhamos consciência do mal que o país padecia, mas não éramos terroristas, nem radicais, apesar de uma resolução da ONU até permitir que o povo se armasse contra ditadores que tomassem o poder à força, o que era o caso. Mas ali estávamos nós, reféns de um tipo que representava, grosso modo, toda a parafernália do sistema. O nojento tinha quase um metro e noventa (pés enormes fora do sofá no qual dormia feito um capacho), era uma mala sem alça, algo obeso, cabelo escovinha, e não era da região, segundo me disseram alguns amigos curiosos com aquilo tudo. Devia ser de outro estado, disse um primo de minha mulher que fazia o Tiro de Guerra e era amigo do Sargento mais doce. Aquele ser em casa, numa Itararé dos anos 60 (ou setenta?) em que muitas cabeças mudavam, muitas coisas aconteciam (e tantas que nem sabíamos direito), era quase um tabu na sociedade, nas conversas no Bar do Tepa, em saunas e pescarias. Para umas pessoas boas, estávamos passando uma quarentena ruim, como se o próprio dianho em casa. Para as pessoas maldosas, éramos vistos como um suspeito moderno casal e fora isso os pontos de interrogação nos olhos ganhavam reticências… Mas, para uma caterva que tinha medo de marxista como o diabo da cruz, éramos vermelhos, comunistas, e nos viam com desconfiança, apesar da família da Sauma ter um certo respeito – o que ajudava um pouquinho – e eu ser, além de bom de dialética, bom de briga, ter fama de turrão, e assim, com as beatas ortodoxas nos odiando e nos querendo ver pelas costas – e amando o lazarento que tínhamos em casa como se um vigiador de nossos rompantes, de nossos levantes contra o sistema, imaginem só – íamos levando a vidinha, tentando, com o traste do Lombriga, não invalidar nossa felicidade, não apagar nosso amor, não matar a consciência cívica que tínhamos das coisas, ou a convivência entre nós dois, o casal, mais o herdeiro que certamente viria. Eu, confesso, já nem bem conspirava direito contra a ditadura, fui perdendo laços fora de Itararé, do estado e do país, não apenas para não causar horror aos que me queriam bem ou mesmo até entrar numa fria, ser levado numa noite enferma, correr grave risco de ser torturado e suicidado como geralmente acontecia. E assim, de alguma forma manietado, de alguma forma limitado, eu punha-me a escrever ensaios, opiniões, artigos, mas nunca mandava ao jornal Tribuna de Itararé, ou a revistas de fora do país, porque eu tinha-me como se num bólido de existência, o meu lar, o meu trabalho, a minha paixão e o meu descendente a caminho. O tipo em casa, o bode, o leviano, o estranho, aquilo tudo parecia ser só um maldito pesadelo, e eu sentia, sem nem direito saber exatamente porque (e Sauma tinha tido visões do inferno com ele em nosso meio), que um dia, o maldito como viera, adentrara, fichara-nos em desconfiança, um bendito dia também, sem encontrar nada, sem fazer atrocidades, sem nos delatar por qualquer invencionice que fosse ao Comando de Caça aos Comunistas, iria embora sem mais nem menos, iria dar no pira, fuçar noutra freguesia. Que fosse peidar nágua mesmo, e ficaríamos livres dele no presencial, no táctil, apesar de seu cheiro estranho, seu incômodo, seus restos, sua presença que, de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, marcara para sempre nossas vidas. Enquanto Sauma buscava ser feliz de alguma maneira e era a primavera, ele era a tempestade. Enquanto eu mudara radicalmente de vida para ter um lar doce lar, ele era um pedaço de noite, a mesma que se abatera sobre o país, e que vinha ali, dentro de casa, nos vestir de um luto intraduzível, de uma dor inenarrável, de uma tristeza latina, de uma melancolia sem etiqueta ou medida. Nunca eu li tanto como nessa época. Nunca eu escrevi tanto. Normalmente os poemas, como se saindo pelo ladrão, como protesto à mordaça do poder, como um trabalho silente de formiguinha, eu escrevia para me limpar, para não ficar louco, lavando-me daquela impureza que ele no meio de nós tetricamente significava. Que merda! Eu intuía mais do que compreendia, que ele certamente iria tentar de alguma maneira ler meus poemas, mas eu não tinha medo de me revelar triste, então, talvez até por isso também, já que não podia matá-lo com um tiro, cacos de vidros no arroz ou cortar-lhe a jugular, de alguma forma eu o matava dentro de mim, e os pedacinhos de sua rudeza iam nos meus poemas, alguns dos quais, com esquisito novo medo, eu picava em pedacinhos e jogava na privada, dando descarga, com medo de que ele detectasse ali um perigo para a sociedade, a classe dominante, o estrume que estava no poder e se gabava ainda, para iludir os incautos que, em nome de Deus (que Deus?), da Família (que Família?) e da Pátria (que Pátria?), era mais bucha de canhão, massa de manobra, para servir a interesses escusos, do que um tipo verdadeiramente cidadão em terra de demônios de terno, gravata, farda, túnica e toga. Eu era o David e o Sequela era o Golias? Lembro-me que, da primeira vez que ele chegou, foi um pânico contido, como se estivéssemos no pântano de nossas esperanças perdidas. Dormir aquela noite então, foi um desboque. Mais pra frente compreendíamos o tipo como um morto dentro de casa, um zumbi inoportuno e inevitável. Mas no início foi difícil lidar com aquilo, e ainda segurar a cabeça carente de Sauma, que com sua gravidez e descoberta de ser espírita ou coisa que o valha, andava com os nervos em frangalhos, mesmo oscilando e, aqui e ali, tingida de uma alumbrada felicidade pela gestação. Sim, ele dava nos nervos. Imagine você, sem mais nem menos, em seu cantinho adorado, de uma hora pra outra saber que está um estranho ali em sua casa, como se a ruptura do legal, do ético, do normal, do crível, e, sem aviso, violação explícita ou motivo, colocassem um bicho estranho em meio a suas coisas, seus familiares, suas artes, livros, móveis, coleções. Era mesmo algo surreal, repugnante, quase kafkiano se avaliarmos bem. Pior: tínhamos que engolir eventual revolta a tamanho disparate, e tentar conviver com aquilo. Não contávamos a ninguém a nossa dor íntima, o nosso desprezo, a nossa desfaçatez. Mas os amigos sensíveis sentiam e viam em nossos olhos a amargura traduzida, purgando, numa decantação silente. O próprio tipo, talvez por estar repetindo o serviço de rotina, parecia compreender alguma coisa do nosso lado, na nossa maneira cainha de vê-lo, e procurava aparecer pouco, se envolver o mais estritamente necessário possível, e assim íamos, maleixos, levando a nossa cruz, a nossa encruzilhada, quando topamos com ele, em desfavor de nossa intima sobrevivência possível. Sabíamos que o amigo Silvio Machado estava sendo caçado. Ouvimos dizer que o Tunico Bittencourt tinha sido intimado a depor. Pessoas desapareciam na pirambeira do lado mais podre da ditadura, e nós ali, sob alça de mira dos dólmãs-de-tala, tínhamos que ser mais inteligentes que os serviços de contraespionagem. E seríamos. Sauma iria pagar caro por isso. Eu sobrevi e aqui, forçando as paredes da memória (de vez em quando choro escondido, tenho remorsos, tenho que tomar comprimidos para dormir a morte eterna– acho que depois daquilo teria que tomar remédios para EXISTIR o resto de minha vida), e, de um modo cainho ou de outro, vou contando a minha sina, em retalhos de ressentimentos. Pior eram as pessoas da família, que não sabiam de nada porque eram puras ou a nossa situação simplesmente incompreensível, e vinham todos nos visitar alvissareiros, perguntavam de fofocas e fuxicos, contavam casos do arco da velha, e então, notando o que entendiam como se fosse uma interna espécie de segurança em casa, iam garbosas cumprimentar, se apresentar, querendo saber se era parente meu (diziam que se parecia muito), e o coitado do peste – nessas horas eu me divertia – ficava perdido, não dizia coisa com coisa, parecia um carimbador maluco, ora explicando o inexplicável (quem iria acreditar?), ora dizendo-se um mascate, caixeiro-viajante ou mero parente de longe a pedir a guarida de uma ocasional estadia de percurso, quando não, e isso era hilário, fingia-se de surdo-mudo, e era bem tratado (a família de Sauma é muito carinhosa e festeira), e ainda assim tentavam falar com ele por intermédio de gestos, bilhetes, quando não, prestativos serviam churrasco e cerveja, então ele não tinha como recusar tanto afeto de um lado simples do povão (Itararé tem dessas coisas) – até se entrosava bem – finalmente, de alguma forma, lobo em ambiente de ovelhas negras, fazendo parte da família, quando, às vezes, bêbado ou não, se emocionava, batucava uma bossa-nova, e tem amigo que, pensando bem, lembra de tê-lo visto menos brucutu na insustentável leveza de ser um normal, um humano, uma pessoa entre a gente simples do povo em casa de suspeito incondicional. Eram paradoxos de extremos. Minha esposa grávida e recebendo santo, eu comunista fazendo poemas de esperança, e, no contexto, aquele segmento de noite atroz que habitava o nosso derredor, e que teríamos que aturar – para sobreviver – no inconsciente, no ego, na epiderme, talvez até no genético por códigos recorrentes, levando a dor por décadas seguintes. Era terrível. Como Sauma tornara-se popular na carente periferia cor-de-rosa de Itararé, vinham pessoas pedir adjutório, outros queriam grana para um remédio, quando não dinheiro pro gás que acabara, ou a necessária viagem para tratamento médico em Sorocaba. Quando ela estava, era naturalmente meiga e solícita (foi isso o que mais amei nela, quando a conheci bem), quando era eu, meio fechado, polido ao extremo, tentava ser doce, serviçal, caridoso, pensando até, confesso, que se o Vigia sondasse melhor nossa rotina cotidiana de cidadãos conscientes, mas que amavam a paz, veria que éramos adeptos do mote Amor & Flor, pela não violência, e se por métodos pouco ortodoxos, aqui e ali, contestávamos o regime, era porque tínhamos noção das coisas, e do mal que uma potência fazia ao país, com medo do comunismo, coisa que jamais o país poderia ser, já que estava ainda na fase pré-mercantilista e assim seria impossível. Particularmente eu sentia mesmo que, um dia sim, sem mais nem menos, ele iria embora, e até talvez deixasse um pedido formal de desculpas, talvez até uns trocos pelo uso da água, luz, sofá ou mesmo do rádio que deixava ligado na estação de Itararé, em que ouvia a noite inteira clássicos da Jovem Guarda ou boleros paraguaios. Mas Sauma nesses tempos finais de gestação mudou de prisma, revelou-se totalmente insegura, frágil. Talvez a gravidez, talvez os trabalhos no centro, o certo é que ela de uma hora pra outra começou a ser politicamente incorreta, tratando o estranho com um certo desdém explícito, não apenas quando jogou restos de um gostoso guisado de carneiro no lixo para que ele não jantasse àquela hora da madrugada, ou quando pegou suas coisas pessoais e atirou no quintal, para poder lavar a sala, ou mesmo quando colocou cadeado no telefone e o traste reagiu, claro. Era a missão federal do filho-da-puta. Dois dias e ela com cólicas, ânsia de vômito e dor de cabeça, emburrada, esperando o devir, eu sondando eventual reação dele, quanto bateram em casa – ele estava no banheiro (propositalmente?) – apontou-se-nos um sujeito que se disse da companhia de eletricidade, e, sem mais nem menos, sem pedir licença ou trazer ordem de serviço superior, com um alicate forte e especial cortou o cadeado, disse um seco até logo e se foi me deixando com a cara de tacho no chão com mais aquela intromissão sem cabimento, causando um pandareco em casa. Porque Sauma teve um siricotico de nervosa, tivemos que chamar o Dr. Célio Santiago da Santa Casa de Misericórdia, e que de presto diagnosticou que ela, naquele lugar, por causa “daquela” situação, poderia perder a criança, abortar, e até corria risco de vida com tanto incômodo que sentia com o maldito em casa. Fiquei de tromba. Um dia até sondei de falar com ele. Exigir que se portasse, cobrar respeito, ou que se apresentasse de forma oficial, dissesse a quem teria que dar satisfação, quem nos teria denunciado, como estava a nossa ficha da polícia política do DOPS, o que ele queria saber – eu poderia contar palha, enrolá-lo – e até preparei da Sauma viajar com uma prima para Itapeva, fazer uns exames de rotina por lá. Foi quando comprei pizza, vinho bom, e, com dois copos montei o teatro operacional para ter uma conversinha feito jogo de cena ao pé do ouvido com ele, o traste, no vai da valsa (um long-play de Joan Baez na vitrola), mas o filho da puta veio falso solícito, ouviu direitinho minha toleima, comeu do bom e do melhor, arrotou atum (acho que até soltou um peidinho daqueles fuzilos rápidos e discretos, o caipora), mas não disse sim ou não, bom ou ruim, tá certo ou errado, simplesmente fartou-se a valer (senti-me logrado), mal eu conheci a sua voz inteira e impoluta, depois foi fazer a barba (usou meu sabonete), tomou demorado banho cantarolando uma canção do Roberto Carlos (Quero Que Vá Tudo Pro Inferno – o disgramado sentia-se bem em casa), limpou-se com uma toalha minha (usou e abusou), depois, lazarento, mal acenou um boa-noite (vestia um pijama de bolinha verde), e foi se apinchar meio bêbado em seu sofá que era nosso, em seu quarto que era a minha sala, em sua casa que era meu lugar de dentro. Eu deveria é tê-lo matado sem pestanejar naquela hora. Era demais. Será o impossível? Como me arrependi de não ter feito isso. Passei por trouxa, coió. Montei num porco. Uma colega de infância da Sauma, que vinha tendo um caso com o Sargento do Tiro de Guerra, lá onde um sobrinho dela servia por um ano, arranjou-se de subornar com régio aparato afetivo também, o Tenente Gabardo. Levou-o no bico, fingiu-se apaixonada, exigiu prova de amor, sonho de valsa, deu camisa-volta-ao-mundo, sob o belo luar de Itararé engabelou o tipo meio janota e boçal, depois pediu um favor, se pudesse, por gentileza, que ligasse pra Brasília, desse uma boa impressão de Itararé, nossa Santa Terrinha, e também, claro, do Casal que éramos, da boa família que fazíamos, tentando, pedindo – se preciso até arrumaria um dinheirinho, pois a ditadura militar era extremamente corrupta – que tirassem o investigador safado do caso que devíamos ser, que colocassem fora do caso o agente de dentro de casa, pois estávamos em paz, éramos bons, não daríamos perigo para o sistema ou suas hienas olivas no poder. Foi quase um delírio. Por parte do sargentozinho babaquara, funcionou, pois o saco de merda estava crente numa paixão, era porcaria de meio, fez a sua parte certinho, afinal, o que teria a perder, e também queria dar mais algumas traçadas na quarentona balzaquiana que o dizia adorar… O tenente também, que não era boa bisca nem nada, foi na fiúza e fez seu papel de interesseiro e beberrão, em curtume íntimo. Foi a primeira vez que o Garrafa Azul (o Lombriga, o Sequela) ou que nome o vilão tenha, “ratiou” de se comunicar conosco. Mas não de conversa fiada. Guardo até hoje o memorando do infeliz. -Dizia que ele estava ali para fazer o seu serviço para o bem da Pátria Amada, e iria fazer de qualquer jeito. Que quanto mais o aceitássemos, mais o deixaríamos trabalhar em paz, e ele exerceria da melhor maneira a sua difícil missão de risco. Que se tentássemos tirá-lo dali, ele iria agir de forma mais severa, que iríamos ver só, que ele não estava brincando e nem era um mané arigó, que deveríamos respeitá-lo, ter cuidado com ele, e que não adiantaria eu mexer os pauzinhos, porque o trabalho dele não era afeto aos comandos de Brasília, que não era de fritar bolinhos, coisa e tal. Onde já se viu isso? Ficou o dito pelo não dito. Não entendi patavina, e ele fechou a cara por uns dias, esperando nossa reação. Ficou emburrado em toleima de acinte. Sauma se desesperou. Eu fiquei na minha, tinha que segurar a barra, não fiz nenhum movimento perigoso ou de desfeita, e só comecei a sondar melhor o caipora. Isso, no começo. Não contavam com a minha impertinência, quando morreu um tio querido de Sauma, o Cemitério da Saudade estava lotado. Eu e a minha esposa grávida comovidos e chocados (foi um acidente com um caminhão de toras de pinho, numa rodovia do Paraná), quando vimos o filho-da-puta do nosso cão de guarda ali em nossa intimidade mais dor, ficamos revoltados. Sauma caiu em prantos, num misto de dor e de horror, eu parti pra cima do sujeito que, num lance rápido, chispou de perto, todos os parentes do morto olhando, mas eu alcancei o tipo perto da Santa Casa, e, quando tentei agarrá-lo (acho que pensei em dar uma sova no lazarento), fui derrubado por um golpe sei lá se de judô ou caratê, caí prostrado com o braço direito quebrado, logo ele chamou um taxi e saiu depressinha, enquanto Sauma tinha desmaiado e amigos em comum vieram me socorrer, quebrado, chorando, com vergonha, desfeito de mim, coração em polvorosa, humilhado e com irada cara de tacho. No outro dia o cara de pamonha de milho branco estava lá, crente que era intocável, certo de que agira pelo bem da pátria, com sua burreza pegajenta, seu jeito asqueroso, sua feição de ratazana posuda. Mas não quero aqui ficar só falando dele. Sauma teve uma crise, o bebê que esperava começou a chutar a barriga, já de quase oito meses. O médico Dr. Célio Santiago disse que a criança deveria estar querendo nascer antes do tempo. Como minha patroa teve uma hemorragia, lá se foi para a Santa Casa fazer exames, quando ocorreu o aborto e perdemos a criança que era um menino, um piá, um guri. A partir disso, tudo piorou. Acho que foi quando Selma demonstrou a dupla personalidade esquizofrênica, pois já estava louca e talvez tivesse provocado o aborto. Numa carta que achei tempos depois, confidenciou isso, contou que não queria deixar para o seu país, no futuro, a cria de uma noite enferma, um ser doentio que gerara com medo, com dor, com ódio, por causa daquele traste desgraçado em nosso ninho de amor que se tornou um purgatório, um limbo. Pelo menos foi isso que captei nas garatujas que deixou escrita às pressas pois ela já estava tomando remédios e ao mesmo tempo bebendo cerveja preta escondido de mim, como se a querer fugir, se ferindo no mais íntimo de si, como revolta psicossomática ao estado do país, ao estado de nós dois com aquela espécie de câncer em casa. Ela tinha sido duramente atingida. Não parecia, mas tinha. Confesso que não sei exatamente o que ocorreu na minha ausência, pois que fui buscar um exame dela em Itapetininga, e esse deve ter sido o meu erro, benza-Deus. Ao chegar em casa achei tudo arrumado, cheirando a flores silvestres, pois ela tinha enfeitado a casa toda, o tipo parece que, como tinha chegado, tinha ido embora. Senti alguma coisa, o ar livre, a mesa posta, as panelas de comida esfriando entre algumas beronhas mas ainda havia um cheiro gostoso de rabanada no ambiente, e então, procurando Sauma, numa intuição doente que me atingiu de repente a seco, corri pela casa, varanda, quintal, até que fui ao banheiro de nosso quarto e a encontrei babando. Estava enforcada, morta, dependurada no cano do chuveiro aberto. Ela se matou? Ou ela foi “suicidada”? Nunca soube direito. Nunca compreendi isso. Tive que conviver com esse trauma. Se eu tivesse aprontado alguma com o Garrafa Azul (ou Lombriga, ou Sequela), talvez eu tivesse sido preso, torturado, morrido, mas ela estaria com o nosso filho, viva. Agora, aqui no limbo de um Asilo Eterno, como Conselheiro na área de Geriatria, lembrando aqueles tempos, depois de sair de um sanatório de tuberculosos, avalio o Brasil de hoje, quando fico muito amargo, triste, depauperado. Tudo aquilo que a corja de 64 nos tirou, não adiantou nada. Estamos piores do que estávamos. Os ricos estão mais ricos, os pobres mais pobres, seis “famíglias” mandam no país. O resto de país, a Periferia S/A, preso a uma economia informal, contrabandistas informais, narcotráfico informal, Sampa, Samparaguai – o estado máfia – um verdadeiro e continental Carandiru a céu aberto… O nosso filho que não há, Vladimir, não teria esperanças se fosse vivo. A filha que poderíamos ter tido, que Sauma queria Ética, nem em nome, nem em prática existe. Somos um quintal da América rica, uma latrina pobre em que os imbecis estão no poder, a periferia sociedade anônima é um risco, como se todo o país fosse uma enorme prisão a céu aberto, enquanto a mídia vende um país irreal, disfarçando um resto de noite que ainda nos habita, impregnando todo esse resto de nação e seu nefasto neoliberalismo globalizador, para gáudio do capital estrangeiro – o capitalhordismo – e o nosso selvagem, amoral e inumano sistema que beneficia o engodo, contra os milhões de brasileirinhos que morrem à míngua, no holocausto da rua de amargura. Lucros impunes. Riquezas injustas. Vendi a casa, comprei outra, estudei, não sou mais um sonhador, órfão de Karl Marx, fiz cursos, viajei, fiquei com pneumonia que piorou, vejo a prostituição infantil, os jovens entre as gangues e as drogas, e os velhos aposentados por invalidez tratados como mendigos vagabundos por um presidente janota e boçal que já foi marxista, ateu, sociólogo e hoje é quase uma outra ridícula lombriga poliglota. Depois de tudo o que passei, depois de todo o tempo de chumbo que vivemos, e sabendo a promiscuidade do governo atual ligado à mesma caterva ditatorial de antes, como uma espécie de “Pai da Fome” (milhões de desempregados) no poder, um babaquara janota e boçal, fica até muito difícil realmente pensar no senhor presidente ex-sociólogo, ex-marxista, ex-qualquer-coisa e ex-ateu como um SER HUMANO. Silas correa leite, trecho do romance GOTO – O Reino do Barqueiro Noturno do Rio Itararé, Editora Clube de Autores E-mail: poesilas@terra.com.br FIM

fonte: http://romancetibetedesilascorrealeite.blogspot.com/2018/03/fragmento-do-romance-goto-de-silas.html

NOVA ENTREVISTA COM SILAS CORREA LEITE

1.Fale um pouco sobre você: seu nome, idade, onde mora e etc… RESPOSTA: Silas Corrêa Leite, 63 anos, Professor aposentado de um dos três trampos (saía de casa as 6 da manhã voltava meia-noite), nascido em Monte Alegre, Paraná colonião (hoje Telêmaco Borba), Paraná, criado em Itararé-SP, cidade histórica das revoluções desde os seis meses de idade, terra de meus pais. Tenho casa em Itararé e casa em SP, onde estou desde 1970; para onde migrei com 18 anos, só com o curso primário, “Sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes, e vindo do interior…”, como diria a canção do Belchior. Mas já escrevia desde os 8 anos, descoberto precoce pela professora Jocelina Stachoviach de Oliveira, do Grupo Escolar Tomé Teixeira, e com 16 anos escrevia para o jornal o Guarani. De origem humilde, fui engraxate, boia-fria, vendedor de dolé de groselha preta, auxiliar de marceneiro, garçom, e também com 16 anos aprovado em concurso para locutor na Rádio Clube de Itararé, e nos shows de Pratas da Casa fazia paródias e imitações dos ídolos da Jovem Guarda, etc. Hoje sou Especialista em Educação, pós-graduado em Jornalismo Comunitário (ECA/USP), constando em mais de 800 links de sites, até internacionais (como Chile, Argentina, Itália, Portugal, Angola, Moçambique, e Rússia (Pravda), constando tb em mais de cem antologias literárias de renome em verso e prosa, até no exterior, e na Fundação Biblioteca Nacional (Gestão Ivan Junqueira) tendo a oportunidade de ganhar concursos literários, até internacionais, e mesmo no RS. Entre outros concursos, fui vencedor do Primeiro Salão Nacional de Causos de Pescadores (USP/Estadão/Rádio Eldorado/Parceiros do Tietê;), premiado nos concursos Ignácio Loyola Brandão de Contos, Prêmio Lygia Fagundes Telles Para Professor Escritor, Prêmio Fundação Cultural de Canoas, RS, Prêmio Biblioteca Mário de Andrade (SP), Gestão Marilena Chauí, Prêmio Literal (RJ/Fundação Petrobras), Gestão Heloisa Buarque de Hollanda, Prêmios Instituto Piaget (Cancioneiro Infanto-Juvenil) e Simetria (Microcontos) ambos de Portugal, entre outros. Feridos Venceremos? Pois é: somos eternos aprendizes da alma humana, e escrever é dar testemunho de nosso tempo, feito antenas da época (Rimbaud), aliás, tempos tenebrosos (Brecht) de infovias efêmeras e do neoescravismo da terceirização neoliberal, câncer do capitalhordismo americanalhado de todos por nadas… e nadas por ninguéns… ô raça! A terceira guerra mundial já começou faz tempo, desde a nova desordem econômica mundial? 2. Fale um pouco sobre seu livro. RESPOSTA: Bem, acabei de lançar o livro GUTE GUTE – Barriga Experimental de Repertório, Romance, Editora Autografia, RJ, a venda nos sites da Livraria da Folha, Livraria Cultura e Site Amazon, junto com o ebook O MENINO QUE QUERIA SER SUPER-HERÓI, Romance, lançado o ano passado, entre outros também lançados em 2014. “Gute Gute conta o historial diferenciado e inédito (e único no gênero) do que uma que uma criança na barriga gestora da mãe sente, como é que é a rotina cavernosa do trono umbilical e seu entorno, as reinações da grávida chorando de barriga cheia, como o baby se comunica com a mãe dentro da barriga adjacente, como é que ele pode se comunicar com outras crianças superdotadas ou sensíveis em outras barrigas-valises passantes, em berçários-ninhais. Com amor, humor, entre alegrias e sofrências, narro e destilo loucuras, perguntamentos, impropérios, barulhezas e contentices como eu mesmo fosse o filho da mãe, bendito fruto, e contasse desde a fase intrauterina de uma criança, até arrebentar-se na barriga do mundo. O hormônio da mãe, refletindo no baby, as relações e afetos maternos entronizados para todo o corpóreo em formação, pelo duto do cordão umbilical, feito uma navezinha em formação acoplada no planeta barriga. Quem tem mãe não tem medo, disse Henfil. Mãe é Mãe, Coca Cola é Coca Cola, diz o mote ridente das redes sociais. Pois o bendito júnior feito um João Bobo, filho da mãe, conta como é; o personagem central e narrador dá voz ao baby, que, sim, antes de vir à luz, quer falar, quer dar à luz a sua interpretação de meio, gestão e expectativa de vida no troninho com cordão umbilical. Vivemos mesmo só nove meses? Lendo o livro a ideia é fazer o leitor se senti na pele da mãe atiçada, com enjoos, com desejos, com entojos; na pele do bebê atiçado, numa mixórdia barrigal, cheio de perguntamentos e quireras de entendimentos espaciais, e precoce; na pele do pai babão e manteiga derretida, e, claro, só podia, também na pele do escritor, entre surrealismo, realismo fantástico e invencionices fora do convencional, quando não assustadoramente loucas, por assim dizer. Ser mãe é padecer no paraíso, disse o poeta. Ser filho com a pura inteligência emocional precoce e filho de pais PHDs é contar lorotas, peraltices, sentires, pensares e falares deste o ventre? Quero que o leitor sinta as contrações do parto do livro e do nenê espeloteado e traquinas, multi-transpolar e hiperativo desde a fase fetal. Já pensou? O que o bebê quer dizer, o que ele sente, pensa, imagina, cria, e espera. Entre sem bater. Bem-vindo à Barriga Experimental de Repertório de GUTE GUTE. Tem gente!”. 3. O que influenciou você a começar a escrever? E o que faz você continuar escrevendo? RESPOSTA: Criado bendito fruto (mago, bruxo?), depois de seis irmãs, mais tia, vó, mãe, enquanto baby era um leão-dragão espeloteado (nasci 19/08), depois na aborrecência fiquei chato, meu pai cristão calvinista ortodoxo, cansado de punir, resolver dar castigo, e como fui treinado desde que nasci para ser pastor (sou ‘Pastor’ de Poesias), tinha que ler nos jornalões as brigas entre Brizola (sou Brizolista até hoje), Lacerda, João Goulart, e, claro, li dezenas de vezes a Bíblia (o melhor livro que li), depois dicionários, clássicos (Verissimo, meu ídolo; aprendi a escrever com ele), enciclopédias e tudo mais. Quando o castigo era dobrado e tinha que ler um livro de 300 ou 400 páginas e depois resumir, então, era meu circo armado, acabei gostando do castigo e vivo de ler e escrever, até porque, a caneta pesa menos do que o enxadão, claro. E os livros me foram caindo nas mãos, até mesmo de autores estrangeiros, quando descobri Drummond ou mesmo Fernando Pessoa, achei o palco iluminado para o meu chão de estrelas. Desde guri, perguntador, queria saber sobre os melhores livros do Brasil, do mundo. Assustava parentes, amigos, professores. Era atiçado e ainda um açodado lado sentidor de sentir coisas, vestígios de ausências. O bendito fruto criando raízes entre o real e o numinoso. Até hoje amigos e parentes me chamam de Mãe Dinah dos pobres. Escrever é nos livrarmos do que a dor de existir nos faz sentir? Todos nós temos a nossa Guernica, somos todos Cunhas, querendo colocar band-aid em cicatrizes paraexistenciais, de veredas ancestrais? Na casa do pai há muitos raios que nos partam? Existir, a que será que se destina? Morrer é pré-pago? 4. Um livro? RESPOSTA: A Bíblia. Li tantas vezes, em multifacetados estados de espírito, entre amor e luz, amor e dor, esconderijo e subterrâneo, “dorpoesia” e válvula de escape, crime e castigo, escuridão e sofrência, crédito e débito, que sei de cor e salteado, de cabo a rabo, de cruz a espada. Os padres dizem que eu seria um bom frei. Os crentes dizem que seria um bom pastor. Os espiritas dizem que sou médium. Os ateus – melhore seres e humanos que conheci – dizem que como Fidel Castro, Bill Clinton e Barack Obama (todos leoninos como eu), eu deveria descobrir o Brasil para a pústula elite burguesa que ainda fala no fim das utopias mas no roubismo adquirido de priscas eras ainda mama impunemente no erário público blindada pela corja da mídia amoral e antidemocrática (hoje ligada a agiotas do capital estrangeiro beneficiada pelas ainda impunes privatizações-roubos dos new richs de Sampa, Samparaguai, o estado-máfia), e por uma rastaquera justiça de bandidos que deixa bandidos soltos, desde que sejam amigos do amigos do alheio. Penso (e já comecei) em terminar o que a priori chamo de o último livro sagrado depois do dezelo intimo contemporâneo. Como já escrevi 20 livros, três contratos de novos para sair, mais de mil cadernos de rascunhos de 200 pgs cada, penso em escrever um livro para cada ano de minha vida (e escrevo vários livros ao mesmo tempo/como leio vários livros ao mesmo tempo) e penso também em juntar para um que seja o mosaico de mim, do testemunho de mim, da dor de existir, pior, muito pior, da dor de sobreviver, e firmar esse livro como obra prima, obra irmã, obra no link do “almai”-vos uns aos outros, assim como vos armei como “gentehumana”…. DNA-Darwim Não Abandona? A morte é uma cura? Escrever está no meu hard-disc corrompido… Vai doer mais em quem ler do que já doeu em mim que escrevi tanto feito um surto-circuito? Livro bom é quando o leitor morre no final? 5. Um escritor estrangeiro? RESPOSTA: Bertold Brecht. Ator, autor, dramaturgo, escritor, poeta, louco da pá virada e da pá varrida. Os loucos herdarão a terra: Shangri-lá, Pasárgada, Neverland, Itararé, uma Jerusalém celeste, ou o inferno somos todos nós, e escrever nos livra de nós? Nos salvará de nós? Que fermento, erração, desvairado inuensilio, cisterna, purgação, hangar, silo, rave, coifa, é estarmos em nós não sendo donos de nós, e o livre arbítrio ser uma cruz (credo) compartilhada, viralizada e customizada? Morrer faz bem pra pose? 6. Um escritor nacional? RESPOSTA: Érico Verissimo que pra mim é a soma de tantos quantos. Incidente em Antares um livro que eu gostaria de ter escrito, o melhor escrito no Brasil entre outros. Mas li todos os livros dele, muito inocente puro e besta ainda, junto com a Bíblia, Dicionários, Enciclopédias, revistas Capricho, Contigo, Intervalo, Sétimo Céu, que minhas irmãs liam… Minha cabeça feito um liquidificador movido a brasa cheio de lacunas, depois virando uma metralhadora dialética cheia de lágrimas… Verter-se é ter-se, tecer de um tear anarcoespiritual, ou só isso mesmo: tudo a ser, tudo a ler, pérola aos porcos? Escrever me despe de mim, me lapida de mim, me despede de mim, ou me coloca no meu devido não-lugar nesse não-estar que é ser um Não-ser, eis a questão? 7. Um filme? RESPOSTA: Lawrence na Arábia. É a soma de todas as fitas, atores, música, fotografia, história, guerra, humanismo, lendas, economia, direito, violações, mortes, pecados, preços, medalhas, status de sítios, potências, desertos, (baseada no livro OS SETE PILARES DA SABEDORIA, que li muito tempo depois). Um filme que cada vez que assisto cicatrizado peno e penso: sou esse deserto de almas empenadas… Alma naus? 8. Uma serie? 9. RESPOSTA: Uma série de percalços para sobreviver com as mãos limpas. Séries de gibis sim (leio de Sócrates a gibis), de tvs não. A televisão é o penico da escória fazendo zumbis consumistas e dopados por fakes informações de cochos, currais, estábulos refis e redis? Tô fora 10. Um canal do Youtube? RESPOSTA: Atualmente ECOVOXTV. E no Youtube caço subterrâneos loucos aqui e ali, inclusive meus vídeos estão lá, até as três partes de minha entrevista no Provocações/TV Cultura/Antonio Abujamra… um documentário e meu Hino ao Itarareense… 11. Pratica algum esporte? Qual(is)? RESPOSTA: Levantamento de corpo de cerveja. Sou Corinthiano (tá na Bíblia, Corinthians 10 Versículo zero), cervegetariano zen-boêmico. Quem não chora não Brahma… e há bares que vem pra bem… O médico diz que tenho um cérebro louco para três corpos, mas só tenho um coração, e é aí que está pegando… E pediu para eu andar, correr, fazer exercício… As vezes parece que o médico é que é o doente… Na casa do pai há muitas geladas? 12. Qual sua maior dificuldade enquanto está escrevendo um livro? E depois de finaliza-lo? RESPOSTA: Nenhum problema. Ideias vêm aos milhares. No meio de um romance, 200 pgs na corrida, pinta a ideia de outro, começo outro, e o problema maior é depois de pronto, por assim dizer, ler mais de mil vezes, procurando erros, pesquisando se os neologismos fazem sentido, na dúvida leio alto para mim mesmo, o ouvido educa a mente que tem um estúdio lustral… O pior é isso: um livro nunca está pronto. Sai a fórceps… E todos são o mesmo livro, um continua no outro, que faz da minha vida-livro um ser enlivrado… Mas minha vida é um livro aberto na pg errada? E o final feliz é aquele que todos morrem… Bem Shakespeare… 13. Por que você acha que ainda é tão difícil, as grandes editoras nacionais “enxergarem” os novos escritores brasileiros? RESPOSTA; Grandes editoras enxergam lucros grandes. Vesgas pra arte. Vendem livros como ovos e sabonetes. A mídia formata mentiras. E reconfigura cérebros. E um novo para ser bom e novo e craque mesmo, 50 anos só não bastam. Os melhores são imortalizados pelo juiz tempo. Não há milagres. Há o inferno de pensar/sentir/criar. Moendas e engenhos íntimos. Quem quer ficar famoso dê um tiro na cabeça com bala de anis. Quem quer ficar rico escrevendo, passe 50 anos no Himalaia comendo lendas e oxigênio neural puro. O fácil é fortuito. O difícil cria limo, húmus, limbos: isso é arte como libertação… Escrever é um pé no sacro e saltar um abismo que não há. Mas tem os achismos, mesmices os coelhos da vida atrás do cofre aberto do bisonho com grife… A fama é reles? Só uma vida louca (e sangria desatada) dá uma obra de peso. Literapura é faca cega, peixe no liquidificador, granada sem pino… 14. Uma dica para o escritor novato? RESPOSTA: CARTA A UM JOVEM ESCRITOR: 1)-Não é possível, já numa primeira edição qualquer, escrever um livro perfeito, um romance perfeito. Para tentar escrever um tremendo livro assim, um clássico (o tempo é o melhor juiz), leva mais de 50 anos de erros e acertos imperfeitos, o que então e finalmente pode ser um livro assim de real primeira grandeza julgado pela história e consagrado por ela, imperfeita, história-remorso. 2)-O maneira mais eficaz de escrever uma boa obra, é ir escrevendo-a aos poucos, em um livro, depois outro; todos o mesmo livro-continuação, até que a experiência e a soma de tudo isso em décadas seja, afinal, um bom e verdadeiro e louco e impuro livro (impurezas de páginas de restos e rostos rotos), porque a imperfeição é a melhor parte humana do livro supostamente ideal, mas, ponhamos: ideal pra quê e para quem. Os ranços consagram os loucos. 3)-Bobagem acreditar que você é um gênio, porque o próprio gênio não se classifica assim após uma vida louca, conturbada, na sozinhez cervegetariana zenboêmica de um estofo fora de série de ler, pensar, relegar, reler, rasgar, fugir… Loucura-lucidez bola bons criares, assim, capitule, saque, sangue, singre, mãos ao álcool; erre mais, acerte mais, mas não se assuma dono da verdade, da obra prima, porque os melhores livros ainda não foram escritos, mas todos os bons livros escritos ainda estamos tentando compreender significâncias, entornos e ilações, irrazões, alusões e despertencimentos, incompletudes… desde o frigir dos óvulos, cantar dos galos, pés no sacro… e porque as paredes têm ofícios, envenene-se. 4)-Diálogo aberto, curto e grosso, não lineares, falas soltas, imagens, desenhos, sacadas, contundências, balões, quadrinhos, desenhos, imagens, tudo soma um livro que é em ‘versoeprosarudeza” como é amor, humor, terror, estertor, fantasmas, estercos, sandices, livro bom poderia ser, no devir, quando autor ou o leitor morrerem no final… sacou ou o círio saiu pela culatra do desdizer tácito? Impregne-se. 5)-Toda história é remorso, toda obra prima é irmã do escárnio, todo decurso narrativo é fogo, pólvora, enxofre, jorro neural, ou seria achismo, escapismo, e nada melhor do que dia depois do asco, o que cria é o ego, descanse, deixe a obra no chorume-bisotê, no achadouro ‘noia’, na decantação refil, leia-a depois do oficio-fuzilo de fazê-la, e se enxergue, ou seja: veja o que você realmente não quis dizer e disse, ou o que quis dizer e nem mesmo você entendeu o que quis exata-mente dizer na mixórdia contemplativa do desfazer-se… Nas particularidades estão todas as melhores narrativas, enfoques e todo foco deve ser fogo-fátuo ou seria rock groselha chinfrim. 6)-Casos de amor enrolados e craquentos nem sempre valem a pena, engordam, engodam açodados, mas todo verdadeiro amor é trágico e louco com carnegões, um amor que dê certo não é amor é novela démodé com cisma de antro deja-vu, uma convivência que desmonta uma parte não é amor é adestramento, que o ódio suturado seja a melhor ferramenta, que a traição seja a energia, que o humanismo de mentiras e torpezas sejam as barulhezas do criar o indizível, o inominável, e a tal “abensonhada” faca destrinchando desvãos de almas, c8icatrizes, arquétipos, estrumes sociais, estercos parasitários quebrando normas, regras, a tal língua culta que tem cabresto e mata-burros. 7)-O herói deve ser mau caráter embonitado, pervertido cristão, procurando calma pra se coçar, deve ser personalizado rococó, perolizado assim, humanizado (ô raça), e assim parecer mais real do que o real, porque, quem não cheira e não freud não vincula, não agrega e nem associa, a bem dizer, não tem nada a dizer. Arme-se de erranças, purgações e conflitos com filtro. Fermente o volátil. 8)-O pior criminoso no local do crime pode ser você construindo uma obra morta, em letra morta, vulgar, estilizada para carcaças, perdendo tempo, papel, árvore, espaço-word, tinta cabritada, teclado do narcocontrabando informal, para desaguar no obvio ululante datado e de ocasião, que afinal saia e seja mais uma literatura abutre em terra de cegos mamando best-sellers do arco da velha, purgantes letrais, já pensou que grande precariedade ajustada ao consumimo tantã? 9-O final feliz não deve ser nem final e nem feliz. Nada começa e nem acaba, tudo é. No final feliz todos morrem, cara pálida, lembre-se, e esgotar horizontes é olhar para dentro de sacanas mentes insanas, surto circuitos ótimos, não queira ser prudente, nem queira ser o que você não é, escreva, delete, escreva, delete, corrija, apague, tome-se uma surra, forme sutras-parangolés, suma, e você verá/lerá a escurez na chiqueza de um outro achado narrativo, de parágrafo ótimo, com a arte pondo as tripas para fora, as vísceras da literatura que quem não se arma não chora, quem não chora não se acha, e quem não frita os miolos no bem criar que vá cantar noutra freguesia simplória, porque arte-criação é estar no átomo sem cachorro, ser macarrão gravatinha na feijoada, e ainda assim dar no couro, no papel, na tinta, no blog, no site, no curral das aparências… 10)- Todas as criações dependem de bruma, turvações, véus e acessórios pertinentes a quem se mete a besta de. Toda ficção quer beber da cicuta do real imaginado. Toda arte que inspira é arte porque tem o câncer do DNA humano – ô raça – e nem tudo que reluz é arte, nem todo palco é abismo de rosas, melhor a tentação do eco no abismo e ver que escrever é estar com uma pipa com cerol na jugular, senão a poesia pangaré será apenas rima, a historieta apenas causo pica-couve sem graça, e o que poderia ser não é, afinal, feridos venceremos, errando venceremos, e o maior dos LIVROS (vidas-livros) estão/são escritos nas veredas, nas cisternas, nas angústias, nos grandes sertões, ou em Mallarmé, Rimbaud, Proust, Joyce, Marx, Freud, Nietzsche, e quem quiser fama, sucesso – muito Nobel não merece o (quem?) nobel por vil e ignóbil – e em vez de atravessar a ponte caia no rio, berrar é humano, a literatura é hermafrodita, por isso, escreviva a dor de existir, a sobrevivência de purgar o sentir, sendo um não-ser num não-lugar, e que no apagar da velha chama que a arte afinal ainda seja a árvore sobre a sombra tenebrosa do processo de criar 15. Quando e como começou sua paixão pelos livros? RESPOSTA; Como já disse, castigo e forja e luz, e chorumes de escombros íntimos. A vida só salva quando salga… 16. Quanto tempo você demora em média para escrever um livro? Contando revisões e etc. RESPOSTA: Se quiser escrevo um livro por dia, cem pgs no mínimo. Troco três teclados por ano. As letras somem. Gosto mais de ler do que de existir. Gosto mais de escrever do que de respirar. É um por cento de ideia, fantasia, imaginação, abstração, escuridões se levantando, e 99% ralar, pegar no breu… passar a ferro e fogo, feito um osso duro de ruir… ócios do oficio? Ah as desnaturezas do outro humanus em nós… 17. De que forma você gosta de escrever? Em silencio, com música? RESPOSTA; De todo/qualquer jeito. Sonho livros inteiros em segundos. Levanto desesperado e passo um rascunhão a limpo do limbo de cem pgs mais ou menos da obra como um todo. Depois nas horas vagas vou compondo os favos, pontos, acertos, arremates… torneando o corpo-livro da obra… da vida-livro, das personas… quando se vê, mais um tijolo… que é quando eu me carrego para fazer uma casa no céu que deve ser um paraíso de livros… Selfie-se quem puder… 18. Dedica quantos dias da semana para a escrita? Quantas horas por dia? RESPOSTA: Dedico horas, honras, tempos vagos, campos minados, areias movediças, carrego rascunhos (quase mil cadernos), estou sempre criando, guardanapo, papel higiênico, bula, receita, lista de compras, cheques, pedaços de papelão, compensado, eucatex, lenços… documentos. Ins-Piro… No meu normal sou água com açúcar. Escrevendo o medo-rabo instintal me salva de mim. Liberta-me de mim? Quando crio estou orbitando… Sentado, escrevendo, estou em pé de guerra acendendo fósforos. Olha o Érico cada vez mais veríssimo aí “genti”…. 19. Você começa a escrever um livro já sabendo tudo o que vai ocorrer nele? Como funciona o seu processo de criação? RESPOSTA; Branco total. Zero total. Nada a ver. Começo (evoco/emprumo, saio-me de mim) e deixo a mente di-vagar mundos e fungos, ícaros e ácaros, errações e erratas, ilações e alusões, dezelos e esparadrapos. Curtumes íntimos/espirituais? Crio, logo extirpo a minha senda de sentição. Quando não domino nada do que tenho que escrever, cubro a cabeça e deixo a folha em branco esperando eu me mergulhar no caos da expectativa transe, surto, encordoamento. Enquanto não vaza, não faço nada. Então vou beber de fontes de arquivos neurais e de lá (onde?) trago o que depois busco verniz técnico e aparato quântico para aprimorar o “dizido” a ferro e foco, no muque. Psicografo? Quem nos libertará de nós? Mágoas passadas? Crime e castigo? Cem anos de solidão?. Em busca do tempo perdido?. Guerra e paz? Tenda dos milagres? O tempo e o vento? Benza-Deus! 20. Como você escolhe o nome para seus personagens? RESPOSTA; Eles se escolhem e entram na pg, no livro, no parágrafo, nos flancos, diálogos, e vão criando ranços, bafos, mordeduras, azedações, vão se “humanizando” (o horror de), quando se vê, estão ali muito prazer, na mixórdia narradora, como uma lanterna apresentando afogados… geografias, espaços, carne de pescoços da pior espécie, corações enlutados, almas de arames retrazidas, espíritos de poucos… favas, colmeias, rios, árvores, nuvens, gotas, cárceres, cancros, ranços, ah a sifilização ancestral dos bandidos bandeirantes dos impérios vis, da igreja como câncer da história. Pagãos e cervos. Santos de infernos hostis. Tudo é purgação? São idas e vindas? São vidas-mortes? Vidas-celas… 21. Quantas vezes você reescreve seu texto? Reescrever é uma boa opção para…? RESPOSTA: O primeiro despojo é jorro neural. Depois é lapidar quebrar o orgulho do ego-criar, pro ID sangrar/salvar. Reescrever (como escreviver) é que faz a obra ser obra. Fora disso é panaceia de falsos artistas, escritores, literatura menor, capenga, croniquetas de angu de caroço. Arte é cerol na jugular. Ou é pangaré querendo asa de casulo, o que não cabe em si e que não sai de si é que é arrancado pelo veio criacional como um vômito. Regurgitando venceremos o medo de termos sobrevivido aos coices de veredas adquiriras em outras eras, guerras, guelras, feras, esferas, cavernas. 22. Escrever no papel ou no pc? RESPOSTA: Escrever no papel, no PC, nas paredes do banheiro, nas tábuas da mente, no cinema mental, no teatro da memória, no cardume das sentições… no palco do porão, do sótão, da arrebentação. Escrever é pele vestindo o que não há. Somos o que queremos ser? Se fosse para sermos o que achamos que somos, não teríamos nascido aqui sendo o que somos, a via láctea o aterro sanitário do espaço, onde estão depositados todos os vermes… 23. Seu maior sonho? RESPOSTA: Nunca mais existir sendo “gentehumana”, o que quer que isso signifique, o que tb não é pouca merda… 24. Além de escrever, o que mais você faz? RESPOSTA: Sobrevivo e resisto no átomo sem cachorro… 25. Para você qual a função social da literatura? RESPOSTA: A função social da literatura propriamente dita é não ter função social nenhuma. Como oriundos dos cipós posando de “euses” estamos cagando e andando para qualquer coisa que seja regra, norma, função, esquema, software… Morrer é dar descarga e evacuar o quarteirão, enquanto alguém finalmente ajoelhado aos nossos pés finca uma cruz de sentença adâmica como uma marca fatal, tipo, ferrado? 26. Quando você não consegue ir adiante na história (bloqueio criativo), o que você faz? RESPOSTA: Sempre vou. Nunca fico pelo caminho. Bloqueio criativo? Não sei o que é isso… Não tem isso nos meus chips. 27. Seu principal critério para a escolha de um livro para leitura, é o título, assunto ou autor? RESPOSTA: Leio livro, como livro, bebo livro, cheiro livro, sou o livro. Não tem preço o instinto captador. Nem forma. Somos escolhidos antes de escolhermos? Um tatu cheira o outro, está escrito nas estrelas? 28. O primeiro livro que você leu? RESPOSTA; A Bíblia. E o melhor, para sempre. 29. Como é o seu processo de criação? Como você faz desde que você tem a ideia para uma história, até terminar de escrevê-la? RESPOSTA; Mais ou menos já explanei. O processo de escrita é não ter processo nenhum, a não ser feito um grão de mostarda transgênica sendo processado para ser massa, obra, livro, filho, árvore, retorno, chuva, nave-nuvem, cacho de implicâncias como azedumes purgando portabilidades paraexistenciais… 30. Para finalizar, Onde podemos encontrar sua(s) obra(s), e como os leitores podem entrar em contato com você? RESPOSTA: Procurem meu nome do GOOGLE. E me adicionem. Normalmente não cobro que me leiam, nem cobro para fazer resenhas, prefácios, posfácios, críticas, formatações, TCCs, leituras avaliatórias, ensaios, artigos, etc. no que posso ajudar um outro escritor, estudante, pesquisador, divulgo, capricho, numa boa. Sou meio bobo nessa área, sou socialista, não dinheirista. Tento desesperadamente me parecer humano… Isso dói. Serei recolhido para avaliarem a procedência e aproveitarem a carcaça? No entanto, indico alguns sites, se o resenhado/criticado/ajudado/curioso/inciante em artes da pá virada como eu quiser e puder colaborar, comprando alguns dos livros meus, vejam os links: Aqui: Um Romance, um livro de Microcontos, um de Poemas e um de Alta Ajuda, lançados em 2014 http://www.clubedeautores.com.br/books/search?utf8=%E2%9C%93&where=books&what=silas+correa+leite&sort=&topic_id= ou GUTE=GUTE, Barriga Experimental de Repertório, Romance, 2015 – Editora AUTOGRAFIA, RJ, recentemente lançado, Dados: Livro: Gute Gute – Barriga Experimental de Repertório, romance, 226 páginas. Autor: Silas Corrêa Leite, poeta, blogueiro, professor, escritor – Editora: Autografia, RJ, 2015 www.editoraautografia.com.br Fanpage: https://www.facebook.com/guteguteromancesilascorrealeite?fref=ts OU EM EBOOK, para ler no Kindle, etc. Site Amazon: http://www.amazon.co.uk/Portuguese-Edition-Silas-Corr%C3%AAa-Leite-ebook/dp/B014HIUJ5Q ou http://livraria.folha.com.br/ebooks/literatura-ficcao/gute-gute-ebook-1316008.html ou O MENINO QUE QUERIA SER SUPER-HEROI, no Amazon: http://www.amazon.com.br/MENINO-QUE-QUERIA-SUPER-HER%C3%93I-Infantojuvenil-ebook/dp/B00K9EECBK Porta-Lapsos (Poemas), Campo de Trigo Com Corvos, Contos Premiados, e Desvairados Inutensilios, Poemas, no site: www.livrariacultura.com.br – Abraços – Silas Corrêa Leite, em quase todas as redes sociais, quase 5.000 amigos no FACEBOOK. – E-mail: poesilas@terra.com.br www.artistasdeitarare.blogspot.com/br PARA ENCERRAR, UM TEXTO MEU: Os Dez Direitos do Leitor-Cobaia (Apontamentos Para um Esboço de Rascunho Ensaístico) “O homem é o ser pelo qual o nada vem ao mundo (…)” Jean-Paul Sartre 01)-“Os honorários e a proibição da impressão são, na verdade, a perdição da literatura. Só produz o que é digno de ser escrito quem escreve unicamente em função do assunto tratado. Seria uma vantagem inestimável se, em todas as áreas da literatura, existissem apenas alguns poucos livros, mas obras excelentes. […]. A condição deplorável da literatura atual (…), tem sua raiz no fato de os livros serem escritos para se ganhar dinheiro. Qualquer um que precise de dinheiro senta-se à escrivaninha e escreve um livro, e o público é tolo o bastante para comprá-lo. A consequência secundária disso é a deterioração da língua.” Schopenhauer “Escrever para este contingente não vale a pena, assim como não vale a pena dar flores para quem está resfriado cheirar. Há momentos em que fico completamente desanimado. Para quem e para que escrevo? Para o público? Mas eu não o vejo e acredito nele(…); não tem instrução, é mal-educado e seus melhores elementos não tem consciência e são hipócritas para conosco. Se sou ou não necessário a um público desses, eu não consigo entender (…). – Nem o diabo consegue entender.” Tchekhov …………………………………………………………………………………………………………………. 01)-Todo leitor tem o direito de deixar de ler um livro maleixo e tantã, quando o tal do bendito livro for muito água com açúcar, uma mixórdia de chorume só, sem estilo e só de estalos, ou, cujo assunto, temática, enfoque, narrativa ou pretensão nunca sejam de assentar conhecimentos deveras edificadores pra patuleia se coçar com garbo ridente, com prazer de ler com qualidade de escrita e devaneio, e sensibilidade criativa, e, principalmente, claro, não ser um livro de alto nível, ou em estilo todo próprio de autor um mero aventureiro na área que escreveu, por não por ter nada o que contar, que importasse ou prestasse de valioso e primoroso rigor, que fosse interessante ou que valesse a pena passar adiante, mas por achar que era, digamos assim, en passant, um escritor de araque; quando apenas era um iniciante se achando, um amador claudicando, e um escrevinhador de simplicidades que não cheiram e nem Freud… 02)-Todo leitor de quilate mais não morde, tem que ser um maldito de um chato de galocha em 3 D, cobrar qualidade portentosa e louca do escritor, insistir na barra braba leitura do chamado livro difícil, procurar erros a torto e direito, sacar eventuais lampejos de lucidez ou de trevas enfermas, curtir júbilos tácitos, captar irrazões cascavéis, errações-adrenalinas; captar narrativas telúricas ou numinosas, e procurar na escrita, não apenas só o mero lado pop chinfrim, ou cult com informatizes, mas o lado terrivelmente humano, demasiado humano (berrar é humano?), da açodada alma humana infestada de dúvidas, porquices, falsas chiquezas, chuleio de rancores, betumes de escuridões – a própria dor de existir (e ter que sobreviver) porque, se precisássemos de livretos de baixo calibre, nem Nietzsche, nem Kafka, nem Dostoievski, e nem mesmo os maiores e melhores e mais loucos – a dor, a dor, a dor – escritores do mundo teriam escritos clássicos com seu próprio sangue, na dúvida, no rancor, no ódio, no medo-rabo; ‘limonódoas’, alucilâminas, como se coices desestimados nos rasgados parágrafos com estercos empa-lavrados… 03)- Todo leitor sapecado de tanto ler os tais mil melhores livros do mundo de todos os tempos, ou de sua região telúrica, continente ou país, isso só e ainda até o começo da chamada primeira juventude tubaína, tem todo o direito de ler, pesquisar, discordar, criticar o escrito, purgar fermentações, e escrever um seu livro também, tipo aquela frase famosa de plantar um filho, gerar um livro e escrever uma árvore. Assim, afinal, como todo mundo tem direito a ser idiota, todo mundo também tem direito a ser escritor… Mas não é a mesma coisa-radar como querer ser jogador de futebol grosso, ser artista brega, pagodeiro-vômito, e, pior, camaradas, muito pior cara pálida, tipo assim sofrer na pele para escrever ranhuras, rasuras, cortar na carne a palo seco para dizer a que veio o veio da lepra historial, plantar o livro na alma para ver-tê-lo, rascunhar a obra no sangue corrompido, no suor-ritual, e assim, depois de se reescrever por zil vezes, corrigir sempre e sempre e achar que está errado (nunca está perfeito), achar que está fraco (tudo é ego), que está bobo e incompleto-varizes, e perquirir, insistir, como se cavasse um pedaço de vulcão na mente e deixasse verter amarras, neuras, cordões de isolamento, filés de granito, sangrias desatadas, e a sua própria dor de escrever, escreviver, no horror de ter que contar, narrar, como cisco no olho de vidro procurando polvorosa, para saber que a obra, sim, a obraça, vai fazer diferença – indiferente de sucesso e de dar lucro – e vai doer mais em quem ler do que em quem escreveu, porque, hermanos, para nosotros, sorry coxinhas com dialetos e sotaques, livro bom e supimpa é quando o leitor morre no final… 04)-De livro bobo, jeca total, manjado, carrapicho, com egoíscas, comum como raspa dura de espalhafatos, o mundo gororoba já tá de sacro cheio pra chuchu de isopor, milhares, milhões, todos eles dispensáveis e calçando estantes de plástico transgênico e prateleiras babilônicas, e prateleiras e estantes refugando, entre o cupim marmota e as abobrinhas escritas a solo cínico, impressas, editadas, mal corrigidas, mal começo (quem?), mal meio (quando?), mal fim (porquerismo), não necessariamente nessa desordem cagando godê, pés sem cabeças, galinhas sem fé, tipo assim, achismo, mesmice, ora um pseudoescritor, um pseudoprofeta, um pseudodono da verdade, um pseudo pastor de ‘ovelhos negros’, um pseudo filósofo que não tem nada a acrescentar no seu “agon” gabiru, tudo muito tatu misturado cheirando a anta, e nada gerando a nada, porque os maiores e melhores escritores não foram julgados em suas panelas e clubinhos, nem em testes de sofá ou em poses com relinchos a exaustão, mas muito depois de décadas de mortos, refugados, é que o juiz como gangrena morfética, chamado tempo-rei, deu o veredicto dos melhores livros do mundo, de todos os tempos, e quando foram lançados – se foram lançados – não foram compreendidos, nem entendíveis, não significaram muito, mas o tempo deu o quinhão de grandeza devido a cada um, desde Miguel de Cervantes a outros tantos, e, diga-se de passagem, livro bom é quando dói ler, que saímos melhor depois da leitura, não emprestamos pra ninguém (morra mas não empreste livro ótimo), nem aceite de asnonauta, nem de asnoia, um palpite infeliz, queremos ler… e ler… e ler de novo, como se o clássico esculpisse também um luz no fim do túnel na nossa estilingada lâmpada mágica de existir, na resina de sobreviver e de reagir enquanto animais que podem dizer o totem, a tribo, e dizerem que pensam sobre canoas furadas e deleites derramados… 05)-Todo leitor sabe que de livros bonzinhos o inferno de Dante está cheio – e queima-os todos, todos os cancros dias – que livros de colorir é para cérebros barrinhas de cereais, que livros com linguagem pamonha de infantis-chulés é para jacaré voador dormir o chato sono do crepúsculo zumbinado, que livro de pegadinha, de uma forma ou de outra é só mais unzinho, porque, quanta posuda gente jeca lançou livro de supetão, quantos tipos autoridades de antros e embustes lançaram livros como se canivetes cegos ou caibros-machadinhos, quantas personalidades midiáticas em 50 tons de húmus lançaram livro, livrecos, libretos, caraminguás, calhamaços, almanaques, mas, falando sério, cara pálida, o maior e melhor livro que escrevemos são nossos passos sem réguas e com pecados, nossas páginas de rostos sem rímel, nossas vidas sem remos de rumos, nossas paginas abertas de amor ao póstumo turbinando o nó cego, o fútil, o ignóbil e vil, de horror customizando a dor a trancos e barrancos, e de livrecos escritos no apagar da seiva, da chama fálica, nas seitas-circos, saunas-areais, e em recôncavos de escárnios ou de misturanças alhures que não significam nada, são livros de ocasião, pro sujeito rastaquera da mesmice se sentir importante dando chute na sombra, dando autógrafo com paletó e gravata, ou ainda falar que escreveu alguma coisa melhor do que a sua própria vida de simplismos com engodos, e, enfim, parecer que é o que não é, entre achismos, modismos, e o tal desse novo bem bolado neologismo contemporâneo, o “escrevismo”… 06)-Todo leitor sabichão e esturricado de leituras de porte, de prazeiranças letrais e contentezas nas ‘leções’ como oxigênio-ansiolítico, sabe que o maior e melhor de nós já vem marcado desde muito antes de nascer, como diria aquele refrão pérola negra daquele ‘roquerrou’ groselha preta. Ferrados venceremos. Feridos venceremos? Ah a inadaptação entre a cólera criativa e a ração dos arames das palavras. A solidão é a melhor amiga do revólver. Que mutação é a capa e a espada da fantasia-dolé, da imaginação-cocho, do laboratório-coice do homem espumando obras de informatizes e labiriscas, feito egoíscas a pagarem o saldo de neuras de meras lesmas lerdas que são? Escrever é desmanche intimo? 07)-O leitor tem direito a não gostar de abobrinhas água-com-açúcar, até porque, falando sério, Saravá James Joyce, escrever certinho é empilhar cadáveres, o rigor formal dá frio na lombriga, e na leitura de engodar o leitor sub cretino e sem cérebro, pois o certo é desencravar o cérebro do sujeito empatado na leitura, o ácid rock do verbo, o curtume do predicado, e a oração certa como reza braba. Escrever desconcertos é transcriar muito além do prego do faquir, barrar conceitos, forma/atar desespelhos, desabandonos, e quebrar cincerros, berrantes (infovias efêmeras?), mata-burros… A loucura extrapola a linguagem chulé, tira beronhas de esqueletos do armário da chatice-Hipoglós, assenta tijolos de águas paradas, pratica a lavoura arcaica das tentativas, na loucura santa dos lúcidos sem motores de geladeiras para ninar noiteadeiros zen-boêmicos, pois escrever é especular, escrachar, sair perigritante do rigor formol, e cair em bordeis de tentativas de melhorias em formões e fóruns marginais… E depois, tem tanto otário dando certo, com enriquecimento ilícito, improbidade de meio e clã, em desaquecimento moral, por uma morbidez de pose e consumo, que dá pra pensar que o talento é filho da puta, o dom mesmo é filho bastardo do tempo, da loucura, não da fama, ou da vaidade-catamarã, e depois, disse Bernardo Soares (Fernando Pessoa): Toda vitória é uma grosseria… 08)-Leitor parente cobaia não vale. Nem com um salve geral por atacado e nas arredondezas. Nem no selfie service. Nem leitor coleguinha de embuste, dizendo loas e geleias gerais. Nem amigo de amigos do alheio. Nem tem preço barato um escritor que preste. Escritor que presta morre sem saber o que é, pensa ao contrário, levanta, sacode a poeira e não sai da cisma-pangaré do pesadelo-talismã. Escrever é per-ver-ter-se. Afiou-se? Ler é ser pensador, sentidor, palavrador, entrar de mala e cuia na alma do criador que não tem alma, ou não seria criador, e tentar compreender a tal faca cega que é a aventura tenebrosa de sub/viver existindo… Sem cérebros? Subcretinos?. Escrever é assistir óbitos. Precisamos uns de outros para de alguma forma nos devorarmos no consumismo de best-sellers como pacotes de consumismos regrados? Um ótimo livro é escrito em décadas, pensado antes, fornicado depois, e, criado/parido/enlivrado; Santo Daime, devora o criador… Aleluia Brecht, Maiakovski, Dostoievski, Tolstói, Shakespeare, Umberto Eco… 09)-O artista é o pior animal enjaulado que tem. Sai de baixo. Tem cabimento? O ralo? Pergunte ao pó póstumo… Será o impossível? Onde já civil? O pós-Darwin lê quando está no banheiro, para não se esquecer que é um animal. O puta escritor, bota a alma pra fora quando se lavra nas palavras. É o ego coagulando histerias de esquizofrêmitos e esquizocênicos implicadores de per/curso sobrevivencial? 10)-Todo livro é uma microbabel materializada pra consumo, customizada, passado a ferro e fogo fátuo, feito um pen-drive clonado. Dormindo, treinamos a morte. Criando, tentamos a imortalidade pós-tudo?. A paga da saga. Escrevendo deixamos um rastro como uma lesma-lacta-láctea carregando seu próprio precipício às costas. Escrevo, escrevo, escrevo. Escravo? Não há brancas nuvens (brumas elípticas), almas gêmeas (algemas), mas solos de incompletudes, inconformidades. O mal da terra. O caos educa? O certinho contamina? E o falso, o engodo, o arranjo? O leitor sabe que mentimos. O leitor entra em nossa mentira de mão beijada. Se se identifica, é do mesmo clube de nossas mentiras impressas. Sentir é o melhor energético? O leitor gostando de sua mentira-rivotril, não pela verossimilhança, mas pelo caos do absurdo que o corrói, o nutre, na burreza pegajenta, feito ócio duro de ruir, e quebra-se de encanto e acha gênio o que se vendeu por 30 moedas podres de papel… e quando se vê, o livro maioral é um pacote, é uma patacoada, uma cilada de sílabas lacrimejantes, uma ‘almanada’, uma carranca com glitter, um preço que pagamos penico para escrevermos e sairmos ilesos de tanto, fé na tábua. Stop! Best-sellers? Esqueça. Não há gênios, há germes. Não há consolação, há vermes com o lado b enlivrado. Não existe paz no livraço. É tudo um catatau de miserês, cem anos de solidão, perdas e pedras nos caminhos, honras de ódios masturbatórios feito filosofias fecais, e escrever nos devolve ao nosso próprio controle remoto, e, ainda, quando no frisson do final feliz, estamos no piloto automático, nem sabemos mais o que fizemos de nós, e a que preço de banana e viral portabilidade estéril nos vendemos, com nossas patacoadas, carcaças, carroças, venenos, bananas, alquimia-camaleônica, porque é assim que funciona o lume neutro, a treva branca, é assim mesmo que é: um livro vale milhões de leitores. Mas um escritor não vale as palavras que somem do teclado, por isso, nem Word salva, e é morrendo que sacamos que o buraco é mais embaixo. Quando matamos o personagem é um suicídio conspurcado, morremos ali. Quando revelamos o cadáver da autópsia final, é nosso inferno infinito e particular dizendo sim ao sim, e nunca não ao não. E depois, disse Antonin Artaud: “Nunca ninguém escreveu, ou pintou, esculpiu, construiu, inventou, a não ser para sair do inferno”. Nas bibliotecas dos limbos estão os cadáveres dos que sangraram até se assinarem existindo, sabendo do DNA-Darwin Não Abandona. Putas grávidas primeiro. As vísceras e os gomos dos cérebros-jeremias peguem senha. Ah a arte canibal que nos enreda! -0- Silas Corrêa Leite (Da Série “Chorando Sobre Deleite Derramado”) E-mail: poesilas@terra.com.br – www.portas-lapsos.zip.net