O homem que virou cerveja [Livro]

Texto: |

“Eu bebo porque é líquido, se

fosse sólido comeria…”

              (Jânio Quadros)

Emanuel Calixtrato Piazotti Assad era o maior bebedor de cerveja da região da Estância Boêmia de Itararé. Dizia que bebia para ser feliz, para aceitar as coisas ruins da vidinha merreca que levava, e assim tentar conviver em paz com as pessoinhas como elas eram. Bebia muito pra tornar a vida mais interessante. Com ele beber cerveja era sagrado, e uma condição psicossomática naturalmente assumida que invocava um ritual todo próprio que montara de porre direto, seguido, de domingo a domingo. E o fazia no lugar do café-com-leite com broa de milho da manhã, no lugar da água potável pra sapecar a sede corpórea, em vez do suco de framboesa ou limonada com limão-rosa da tarde, antes mesmo da marmitona do almoço frugal, até antes da janta com creme de espargos e pedaços de frango atropelado, ainda mais muito antes de dormir enormemente entupido, e, pior, quando o médico já desacorçoado, receitava bulas de remédios pra rinite ou mordidas de abelhas (pois que ele era pegajoso de açúcares  esplendentes), ele os tomava sempre com cerveja light ou sem álcool. Era impossível. Bebia do fiofó fazer bico.

Encostava o umbigo peleguento no Bar do Tepa, ali na Rua 24 de Outubro, centro velho de Itararé com seus paralelepípedos feito cacau quebrado, e tomava todas e mais algumas, antes de subir trombudo o sentido da casa de meia-água de tabuínhas de pinho no alto da Vila Osório, bem pertico do popularesco e concorrido siriri das putas da cidade, nos idos de antigamente, em que se escrevia farmácia ainda com peagá e se amarrava cachorro com lingüiça de anta obesa.

Sua lenda pessoal, todo mundo sabia. Era simplesmente cair peladão como adão bêbado numa piscina de cerveja, de canudinho e tudo, e só acabasse o forfé inteiro quando se entupisse dela toda. Seu sonho impossível era ser um provador de cerveja numa tal inventada (e encantada?) República Rural-Etílica da Bavária. Sabia piadas sobre cervejas, adorava a loira gelada e, falando sério, para ele tudo era cerveja, até os preços nas biscates que fazia de eletricista, encanador, pedreiro, azulejista, trocador de parafusos ou mesmo em temporadas de zeladoria de clubes em forfés de momo, quando era, claro, tudo uma bolsa de valores na base de cotação-cerveja, tributo etílico. Já pensou?

Prum batente passageiro de final de semana, trocar rosca numa torneira, puxar fiação de 220 wolts, consertar pneu de bicicleta rueira, trocar pneu de jipe chique de perua com mini-saia curtinha que dava pra ver as amídalas por baixo, era baratinho: saía pelo preço de duas cervas apenas. Mais umas lambujas.  Não tinha lá muito fanatismo por uma ou outra marca, de Brahma a Antarctica, mas gostava muito da Skol, e sempre desconfiava das marcas novas, até que, por ocasião de algum forfé maleixo, se empanturrava de uma dessas marcas nascentes e passava a constar no seu rol de apreciador por atacado a noviça e deliciosa cervejinha da hora, até porque, falando sério, a bem da verdade, a primeira fazia tchum, a segunda dúzia mais ou menos essa onomatopéia no gargalo, depois, tudo era a mesma coisa, amarga ou espumosa, quente ou gélida, quadrada que fosse. Diziam, os fofoqueiros oficiais da central de boatos de Itararé, que se ele já tivesse se empanturrado como uma capivara obesa, podiam pedir pruma grávida mijar num litro, gelar direitinho, que ele todo trancham tomava babando e ainda arrotava espuma no beiço curtido. Emanuel era um boêmio famoso da fauna notívaga da Estância Boêmia de Itararé que via a vida de dentro de uma garrafa de cerveja, sob a ótica escapista desse enfoque. Tudo no exterior do ser de si, era uma baita cervejaria cósmica, os seres tanto podiam ser apanhadores dos campos de centeios, quando não fermentos saradinhos, topetudas saúvas bípedes, tonéis de carvalhos com torneirinhas e tudo, polacos barris de chope, curtidouros ambulantes, alambiques com alpargatas, serpentinas com orelhas e ia por aí a prosopopéia pegajenta, viajosa.  Para uns ele era um tremendo pudim de cachaça, para outros era um cidadão-contribuinte bonachão mas viciado nas biritas e nos percursos habituais de trecheiros etílicos que faziam a via sacra e notória da pinguiçaiada da cidade  Alguns piás de rua, fuzarqueiros que só vendo, berebentos e com amarelão, o céu por testemunha, procuradores de sarnas públicas pra atiçarem pedras de dezelos íntimos e banzés vernaculares, assopravam que, se riscassem um palito de fósforo no Emanuel ele virava tocha humana em segundos, tal o teor de combustão nas tripas e que davam explicitamente na epiderme.

Churrasco, era com cerveja espumosa, claro. Sem tirar nem pôr. Ia levar a mulher crente no culto da Assembléia de Deus ali na rua Prudente de Morais, e ficava no barzinho da esquina sapecando algumas, filando petiscos, contando palha, azarando camaradas de vício. Se o filho carecia cuidar de uma cárie rombuda no dente de leite, deixava o piá no dr. Alfredinho Dentista e lá ia no Biribas Blues Bar tomar a saideira que era, a bem da verdade, sempre a penúltima, nunca a derradeira.  Morria algum parente? Ché. Corria dar uma olhada no cadáver pardo, fazia aprumo de dezelo íntimo, depois se pinchava todo de tromba pro Bar do Tunico Bittencourt na esquina do morgue e lá chorava suas pitangas, regado, claro, a uma espumosa preta de colarinho curto para assim até dar sentido simbólico e de metáfora à sofrência. Bebeu tanto, e todos os dias, que até teve crises de delírios. Saquem essa. Quando, mal serviam a cervejinha da hora, e encostava a orelha de dumbo perto do copo, logo, bem entojado, variando purgações, dizia ouvir aplausos de dentro do copo recém servido para a sua sabedoria de bebemorar muito bem e ser fanático por esse néctar dos anjos. Vejam só. Só por Deus. Fazia apostas. Quem bebia mais. O Fernando Milcores desacorçoou. O Jorge Chueri não foi na lábia doce dele. O Tanaka Bailarino, o Badu Contieri tipógrafo, o Bastião Querosene boêmio, o Pedro Ganxuma bóia-fria, o Tilico Boaventura cafetão e nem mesmo o Barão do Caiçara todos juntos, não eram páreos pra ele. Dava gosto vê-lo entornar uma garrafa de casco escuro num golpe só. Ganhava todas. Vinha gente de fora da Estância Boêmia de Itararé tentar levar vantagem com ele, mas ele, tinha feita que, numa empreita etílica dessas, enquanto bebia as três dúzias de uma vez só sem pestanejar, batendo seu próprio recorde já folclórico, ia mijando-se todo, bebendo e vazando, entrada e saída no mesmo duto corpóreo, feito uma esponja etílica.  Até papeava, o lazarento, que, se a cerveja fosse paga com o desconto dos mijos, seria muito mais barato. Pensava em reclamar com o Procon a respeito essa questão de direito de beberrão, boêmio sarado que era, se imaginando herói de uma ONG nesse propósito de defender o líquido mas inexato. Pensava até em escrever pro Presidente Lula esse reclamo gaiato. Os médicos diziam que ele tinha bucho de três pessoas para tanto receptáculo no seu pote de vísceras, mais que o corpo era um só, a cabeça uma só, o pulmão um só, o coração idem, a biles uma só. Onde já se viu? Mas ele era assim, fazer o quê?. Com isso, com o envelope redondo do tempo indo e vindo nas circulares das bebemorações por atacado, o estrupício ganhou íngua em tudo quando era lugar, até nas idéias, diziam alguns sarristas. Tinha caroços em tudo quanto era parte do corpo. Endócrinos avaliavam, e davam com um ou outro nódulo benigno qualquer, encerotada de levedo velho, lúpulo antigo, malte sarado no nodal cíclico. Diziam que tinha a língua dourado de tanto malte, levedo e lúpulo passando por ali. Tinha calos até nas unhas amarelas parecendo chifres amelados do dianho. Os cabelos, acredite se quiser, amarelaram com o tempo. O céu por testemunha. Diziam, os mentirosos e gozadores, os caiporas inventores do inexistente, que ele urinava rótulos amarelos das cervejas apreciadas. Mas aí já é invencionice de gente fofoqueira da central de boatos da cidade. Mentira tem limite, né?. Mistura de italiano com árabe, pai oriundo da Sicília e mãe da roça de tâmaras e hortelanzeiras  do Líbano, ele tinha pique, saúde, jeito e, bem forte, começou ainda mais a encorpar nova estética quando deu-se por beberrão, viciado, com o seu fígado inchado reclamando, pois que o tal fígado começara a fazer mal pras bebidas. Mas nem cirrose tinha, o lazarento e caipora. Mal-e-mal, vez em quando, uma ressaca de vomitar serenatas inteiras em jatos dourados. Mas depois do desperdício, dizia ele, era só engatar numa outra bebedeira e o corpão todo se aprumava num eixo movido a álcool. Era um bípede alambique ambulante. Empresas de cervejas da região sulista toda, quando iam lançar novas marcas caseiras com buquês novos, chamavam o Emanuel pra dar seu gosto de referencial, avaliar o paladar do deguste, no desfrute que filmavam alvissareiros como propaganda de que ele sabia mesmo escolher e era mesmo entendedor da marca e do consumo salutar dela. Até que começou a ficar gordão e amarelo. Enorme como uma anta obesa, até o beiço mole (conservado em cervas) da mandíbula superior vindo pra fora, feito bico somatizado pra captar melhor a espumosa geladinha. Pior foi a cor. Era primeiro de um pardo-biscate, depois um verde maleixo, em seguida marrom-estrume e finalmente a tez amarelou. Quarentão e dourado. De noite, aos tropeções, ganhando a periferia de sua casa, parecia um filhote de cruz-credo, até na estética disforme espelhando a luz da lua mas em cor amelada brilhante.  Teve um filho só, pois se casou com a Mariquinha Lemos, e, quando cobravam porque só tinha um piá de nome Porter (marca de cerveja sulina), ele dizia que era para não gastar zona de fricção a toa, pois que o enorme bucho era o seu laboratório de enzimas componentes das cervas queridas, sua razão de ser e de viver, feito um tobogã de perereca, brincava. A cerveja era o néctar dos deuses, dizia. Dizia-se uma cerveja ambulante, bípede, comedora de carniça, fornicadora e sedentária. Sonhava ser, numa outra vida, se houvesse outro boteco no céu, uma cervejona e tanto. Encorpada e de marca. Cara e famosa. Alemã, de preferência. Quando morresse, depois das cinzas etílicas, claro, queria ser enterrado numa garrafa de cerveja de marca maior, casco escuro, claro. Por ora ia levando a vidinha, mais rolando do que andando, tanto que estava encervejado em tudo, inclusive no psicossomático.  Virou uma garrafa de cerveja ambulante, e até usava de tampinha um boné bem parecido, cabritado. Eram 90 quilos-litros de cerveja embalados no seu corpo-casco pra itinerante percurso orbital, todo santo dia, entre a casa e os bares, entre os afazeres e os bares.O pior de tudo, no entanto, reclama ele, arrotando fermentação numa hérnia epigástrica já esticando o bucho, é quando, saindo de sua humilde casa ali na periférica Vila Osório, garrando os afazeres de biscateiro no centro da cidade, os piás jaguaras de gozadores, logo botam a boca pra fora, feito estrupícios, entre as encardidas cortininhas de florezinhas variadas das janelas das casinhas humildes e periféricas,  e gritam, aloprados berram em alto e bom tom:

-Dééééésce REDONDO!

Efeito Colateral

Nelson Coelho era pegador mesmo. Apesar de bem casado com uma peituda ruiva argentina de olhos de amêndoas e lábios de mel, ele não era de fritar bolinhos, o tranqueira infiel. Chefe do Departamento Pessoal da multinacional Top Orion S/A, catava as minas pedaçudas que dessem mole, no dizer dele, que marcassem bobeira, porque com ele, que era fera, era uma no cravo e uma na ferradura, por assim dizer. A tipinha, inocente ou não, bobeava, e ele, lábia farta, handicap de paqueras, saliva de romântico de ocasião, estrupício, faturava e depois tiau, bença, fui. Nem te ligo. Era uma caipora lazarento de galinha, tá sabendo?

Tinha estilo, claro. Tinha charme, o porqueira. Sabia o favo das circunstancias que coincidiam a seu favor nas estratégias das técnicas de sedução. Roupas de bailes, festins de parabéns, cesta básica, amigo secreto, e, quando se via, tóim, mais uma zinha pro eu acervo oral com riquezas de detalhes. Se cobravam que ele era bem casado, ele fazia tipo solidário, e dizia que a patroinha estava com câncer no seio e já nem dava mais no couro com ele, de insensível e frígida que se restava, tadinha dela.

Sabia muito bem as fraquezas femininas, e, no flanco, com delicadeza e know-how, o estrupício triscava de bandeja. As, ponhamos, seduzidas e encantadas, ou ficavam quietinhas de tudo se restava por isso mesmo depois do desfrute, ou, dando com a língua nos dentes, iam cantar noutra freguesia, demitidas que eram. E elas sempre precisavam do emprego, moralismos à parte.

A maioria das coitadas engoliam a seco o desfrute a que se quedaram, odiavam para sempre o traste, mas ficavam esperando e torcendo para que ele, um dia, pegasse uma doença fatal, engravidasse uma filhinha de papai valente, ou desse de-assim com os burros nágua. Se uma tipa babaquara engravidasse por acidente de percurso em situação ilícita, ele prontamente pagava o aborto, que até forçava que fizesse na marra. Se era virgem sem tirar nem pôr, ele se prevenia que era cabra rodado, macaco velho nas patifarias. Que tipo.

Mas, um dia, e sempre tem um dia nas havências do reino do “era uma vez”, aconteceu o improvável dentro das leis das improbabilidades mágicas. O céu por testemunha. A estagiária de direito que entrou no Setor Contencioso do Jurídico da firma era muito bonita e, a bem dizer, não era flor que se cheire. Nem por força.

Quando Nelson Coelho a viu, ficou boquiaberto, foi um desbunde geral nos seus sentidos e presunções, um desboque nas suas estruturas até psicossomáticas. A mina, loura oxigenada, nome Nanci Estrela, lábios carnudos, pernas na Vera Fisher, olhos tristes de songa-monga, era, digamos, um monumento de pedaçuda de corpo, uma cavala mesmo, só que dura na queda, resistente pra mais de metro, não era próprio dela os deslizes, muito menos se aventurou em gracezas ou entregas, nem por causa de galanteios ou conversas fiadas pra boa bisca dormir. 

Quanto mais ele, o Nelson Coelho, investia nos trâmites da falsa paixão a primeira vista com bregas retóricas de elogios, querendo tirar uma casquinha, ainda mais ela, a Nanci Estrela, punha empecilhos e não se mostrava com eventuais derretimentos por ele. E ainda se vangloriava, claro, na dela: era virgem. Pior, era  crente, tinha namorado de aliança compromissada, era direitinha, não queria saber de má intenção, assédio, muito menos aventuras banais. Foi por aí o desmanche das aproximações como jogo de cena de retorno. Só por Deus. Nelson Coelho ficou pirado.

Não acreditava. Ficou quase louco. Será o impossível? Onde já se viu aquilo, um homão com a experiência toda posta a prova? Tem cabimento? Coração molóide ou pantomina de novo estilo? Vá saber. Queria faturar a mina vinte anos mais nova, era questão de desafio, orgulho, nunca ninguém tinha ousado tanto, em resistir. Estaria perdendo as estribeiras ou ficando feio, vaidoso que era? Benza-Deus.

Até que a pretendida bobeou feio na área. Pisou na maionese. Viajou na batatinha. Brigou com o namorado almofadinha, baixou a guarda da defensiva, quando Nelson Coelho sacou aqueles olhos murchos, tristes, de butuca captou algo no ar, serelepe e todo trancham caiu com uma nova falácia de “ombro amigo; um beijo, um abraço, um aperto de mão”, e, abrindo a perspectiva de um novo diálogo, panca de urutu querendo armar o bote, fazendo-se de puro e inocentinho, “amigos para sempre”, convidou-a para um jantar a luz de velas num restaurante italiano caro e chiquérrimo. Ela não deveria ter concordado. Ele prometeu largar a patroa, pediria divórcio, ainda deu um par de brincos de imitação de platina de presente, o disgramado prometeu também casar direitinho com ela de véu e grinalda, essas birutas cantadas de burrezas pegajentas, que as mulheres, carentes, com cicatrizes, frágeis, às vezes engolem de mão beijada. Foi na fiúza a Nanci Estrela, que  estava como se querendo provar alguma coisa pra si mesma, se vingar, se agredir, punindo-se por causa de alguma fala exagerada do noivinho com conversinha rastaquara fora de propósito que a tinha magoado muito. Tudo pela auto-estima revisitada?.

Jantaram fora o prato fino, louças de cristal. Drinques, lagosta, cedê do Sinatra de presente, juras de amor. Dançaram com o rosto coladinho. Ele, todo galã, emperiquitado, fazendo tipo, pacote pronto, kit básico em último estilo, na linha de frente pro bote cascavel, o calhorda. Ela, meio na defensiva, meio no ofício de entrega, algo jururu, carecida, ainda mais encharcada de vinho do Porto, mal grunhiu um possível sim de forma tácita talvez aceitando a inevitável cantada de “uma  prova de amor” e lá foram pro Motel Maitê, ela prontinha para entregar os píncaros do hormônio atiçado em montada ocasião de risco. Era a píncara sonhadora.

Lá chegando, ele não perdeu tempo, claro, vai que ali perde a imediata acessibilidade do romantismo etílico. Foi indo depressinha que ela estava no ponto, no altar dos sacrifícios. Antes das preliminares pro objetivo final propriamente dito, a pretexto de dar uma desaguada, tirar água do joelho, ele tomou pela primeira vez uma dose especial do milagroso Viagra. Queria uma noite não capricho, dar no couro com estilo, feito falso galã, Burt Lancaster depois da maleita. Não queria fazer feio, nunca se sabe, numa hora daquelas. Iria deixar para sempre a sua marca na gata dura na queda. Valeria a pena. Era assim, o babaquara coisarruim.

Girou nos calcanhares e voltou incontinente pra cama da presa acuada e rendida, ainda etilicamente derrubada em corpórea sensual bem convidativa, já na fase dos beijos e amassos pouco correspondidos, sentiu a barriga refugar uma espécie de vulcão Etna e não quis nem pensar em correr riscos desnecessários. Pediu licencinha benzinho, volto já amor, fique calminha aí querida, e se dirigiu assoviando uma balada do Fábio Júnior pro W.C. Foi um esparramo só. Desandou o intestino carregado. A lasanha? O uísque? O peixe? A salada de frutas asiáticas? Alguma química a partir de algum problema neural ou insegurança freudiana? Nem pensou em nada. A flora intestinal desarranjou-se toda.

Nelson Coelho fez-se chuveirinho, vaidoso como ele só,  e, saindo amarelo, voltou à carga. Tirou a parte de cima da roupa da fêmea, mal estava ali no chove e não molhe que ele era sistemático e preciosista, seios de manga-sapatinho no bico doce de fuzarqueiro, e o desarranjo de novo avisou que tinha havido um desboque generalizado, e ele podia correr o risco de não se segurar no côncavo e convexo da peleja corpo a corpo. Mal-e-mal desidratado, se lavando com raiva, perdeu hora no banheiro, tendo que limpar também todo o hall do ambiente chique e caro, tal o seu ocasional problema de desinteria daquelas bravas, um piriri feroz. Pois foi e voltou várias vezes. Um desboque. Diarréia mesmo, quem diria. Uma noite e madrugada lazarenta de inesquecível.

No bem bom, aqui e ali, quase entradas e bandeiras, o mesmo problema sem parar: ou traçava a mina pedaçuda ou se borrava todo nela. Foi mal. Foi um pandareco. Em várias tentativas sofridas, desacorçoado, passado de sono e desmanche fisiológico, madrugada ganhando o betume das sofrências, lá pelas tantas retornou e a pobre coitadinha, cansada de tanta espera dependente, sem as roupas de cima, só com as peças íntima inferiores, tinha, de bode, desmaiado num sono profundo sem retorno. Deu no que deu. Então o Nelson Coelho concluiu que não agüentava mais,  estava frito e capitulou, rendido as evidências, fraco como uma maria-mole de coco queimado, quase fora de si de tanto sacrifício. Estava até meio tonto e com vômitos, tal a virose que fosse em inusitada síndrome. Dormiu feito uma múmia. Um condenado antes da consumação do crime.

Quando finalmente se viu mal-refeito, o sol ardia a primeira manhã, a tipa, de ressaca braba mas incólume tinha dado no pira que não era bobinha sempre, e ele ali, pálido, esquálido como um coió, precisando tomar chá de cortiça de rolha porque desaguava feito um pote de vísceras. Crime e castigo. Jamais esqueceria a tragédia daquela aventura desastrada quando apostara muito e gastara alta grana inutilmente. Passara em branco. Já pensou?

Segunda-feira, dia de batente, lá estava o Nelson Coelho tomando soro e remédios para a recuperação devida, voltando à rotina, todo frustrado por não ter conseguido seu intento contumaz. Que fora. A bela gata, por ali, indo e vindo emperiquitada, rodeando, cismou, desfilando ainda mais seu charme, a sua mais nova implicância de futura improbabilidade, porque, de algum modo se safara, não cedera, resistira sim.

Estava arrependida e nunca mais agiria daquele modo, censurando-se pelo quase pecado que afinal não se consumou. Também pudera. Ele, o Nelson Coelho, coitado, contando-me depauperado todas essas acontecências com riquezas de detalhes, mal se cabendo em si de vergonha, ainda se sente uma canalha. E ainda comenta que, quando ocasionalmente encontra a Nanci de pertinho entre a área contábil e o almoxarifado, olha-a nos olhos, e pensa, ao admirá-la loucamente:

-Tesão!

Mas ele não sabe, o caipora, que ela, mal se contendo na fé e na fidelidade, ainda o desacredita e, de forma concomitantemente ao vê-lo, disfarçando interiormente o descrédito, toda segura de si ao mesmo jocosa refutando pensa:

-Cagão!

-0-

Silas Corrêa Leite – Conto da Série “Beer-Man, O Homem Que Virou Cerveja”

E-mail: poesilas@terra.com.br

Site pessoal: www.itarare.com.br/silas.htm

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Silas Correa Leite. Educador, Jornalista Comunitário e Conselheiro em Direitos Humanos, começou a escrever aos 16 anos no jornal “O Guarani” de Itararé-SP.

Fez Direito e Geografia, é Especialista em Educação (Mackenzie), com extensão universitária em Literatura na Comunicação (ECA).

Autor entre outros de “Porta-Lapsos”, Poemas, Editora A

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